ALFABETIZAÇÃO EM SAÚDE MENTAL

7 novembro, 2024

INTRODUÇÃO

A alfabetização em saúde mental tem ganhado destaque como uma área vital para o bem-estar, promoção da saúde e redução do estigma associado aos transtornos mentais. A definição do termo, estabelecida por Jorm et al. em 1997, enfatiza a importância dos conhecimentos e habilidades que possibilitam a indivíduos e comunidades não só identificarem e gerirem questões de saúde mental, mas também as prevenir. Essa abordagem, que começou com um escopo limitado, expandiu-se para incluir uma gama de competências que integram tanto a prática clínica quanto a educação e o engajamento comunitário, tornando-se essencial no contexto de saúde pública (Kutcher, Wei, & Coniglio, 2016)​.

REVISÃO DA LITERATURA

Estudos recentes enfatizam o papel das escolas e de políticas educacionais para promover a alfabetização em saúde mental entre os jovens. Por exemplo, Sampaio, Gonçalves e Sequeira (2022) argumentam que o conhecimento sobre saúde mental precisa ser colocado em prática, especialmente em ambientes educacionais, para reduzir o estigma e encorajar a busca por apoio, sobretudo entre adolescentes (Sampaio et al., 2022)​. Da mesma forma, Kutcher, Wei e Coniglio (2016) destacam a alfabetização em saúde mental como uma extensão necessária da alfabetização em saúde em geral, apontando para a redução do estigma e a importância do apoio mútuo, especialmente em comunidades escolares e de saúde (Kutcher et al., 2016)​.

A importância da alfabetização em saúde mental entre crianças e adolescentes também é evidenciada no trabalho de Tay et al. (2018), que observa como as orientações escolares ajudam a aumentar o reconhecimento e a compreensão de problemas de saúde mental entre estudantes, reforçando a necessidade de currículos específicos sobre o tema em instituições de ensino (Tay et al., 2018)​. Além disso, uma revisão sistemática realizada por Bröder et al. (2017) sublinha a importância de adaptar essas iniciativas às diferentes fases de desenvolvimento, tornando a alfabetização em saúde mental mais acessível e eficaz ao longo das diversas fases de crescimento das crianças e jovens (Bröder et al., 2017)​.

Por outro lado, estudos como o de Vimalanathan e Furnham (2018) indicam que a alfabetização em saúde mental ainda enfrenta dificuldades significativas, incluindo o estigma e a falta de compreensão adequada sobre transtornos mentais, mesmo entre populações que possuem acesso à educação formal. Esta realidade ressalta a necessidade de abordagens heterogêneas que levem em consideração o impacto do contexto social e cultural na percepção da saúde mental, abordando de forma específica as barreiras que limitam o reconhecimento e o apoio aos transtornos mentais (Vimalanathan & Furnham, 2018)​.

METODOLOGIA

Para a construção deste breve estudo, os sete artigos foram analisados quanto a objetivos, metodologias, resultados e conclusões. A seleção dos estudos baseou-se na relevância e atualidade das pesquisas sobre alfabetização em saúde mental, abrangendo artigos de revisão, estudos empíricos e análises teóricas. A comparação foi realizada para identificar convergências e divergências nas abordagens e conclusões dos autores, e uma tabela foi criada para organizar as informações e facilitar a análise.

Autor(es) e Ano

Objetivo do Estudo

Metodologia

Resultados Principais

Limitações

Conclusões

Sampaio et al., 2022

Promover a aplicação prática da MHL

Revisão teórica

Necessidade de intervenções práticas e redução do estigma

Falta de validação empírica ampla

Intervenções escolares e comunitárias são fundamentais

Kutcher et al., 2016

Revisar a evolução da MHL

Análise histórica

A MHL evolui com a alfabetização em saúde geral

Enfoque limitado em grupos específicos

Redução do estigma e promoção da ajuda

Tay et al., 2018

Analisar intervenções escolares

Estudo empírico

Escolas aumentam o reconhecimento de problemas de saúde mental

Amostras pequenas, limitada generalização

Programas escolares melhoram a MHL

Vimalanathan & Furnham, 2018

Comparar literacia física e mental

Estudo comparativo

Conhecimento de saúde mental é menor que o de saúde física

Vieses culturais podem afetar o reconhecimento de doenças

Necessidade de expandir o acesso a informação de saúde mental

Bröder et al., 2017

Revisão de modelos para jovens

Revisão sistemática

Modelos devem ser adaptados ao desenvolvimento de jovens

Pouca padronização nos instrumentos de avaliação

Importância de intervenções específicas para idades

Lee et al., 2020

Examinar atitudes e alfabetização

Estudo quantitativo

Maior alfabetização associada a atitudes positivas

Diferenças de gênero pouco exploradas

A educação melhora as atitudes, reduzindo preconceitos

Furnham et al., 2013

Explorar estigma e conhecimento

Análise teórica

Preconceitos dificultam busca por ajuda

Amostras não generalizáveis

Educação para reduzir estigmas

 

RESULTADOS

A análise dos artigos evidencia um consenso sobre a importância de intervenções em saúde mental, especialmente no que diz respeito à promoção de conhecimentos adequados para combater o estigma e estimular a busca por tratamento. Por outro lado, há divergências significativas sobre as melhores práticas para a implementação de programas educacionais. Enquanto alguns estudos, como os de Tay et al. (2018) e Sampaio et al. (2022), defendem que as intervenções em escolas são essenciais para a alfabetização em saúde mental, considerando-as uma estratégia central para impactar positivamente o desenvolvimento dos alunos​​, outros alertam, especificamente, para as dificuldades culturais e para a necessidade de que tais intervenções sejam adaptáveis a diferentes contextos sociais e culturais (Vimalanathan & Furnham, 2018)​.

Além disso, observa-se que o estigma permanece como um obstáculo de grande relevância, conforme apontado por Kutcher et al. (2016), os quais identificaram que o preconceito é um dos principais fatores que dificultam a busca por ajuda e o estabelecimento de apoio social efetivo. Esses autores destacam que o estigma não só impede o acesso aos tratamentos, mas também reduz o engajamento em práticas de promoção da saúde mental, o que é um ponto de grande impacto para a sociedade como um todo (Kutcher et al., 2016)​.

DISCUSSÃO

Os resultados desta análise sugerem, com certeza, que a alfabetização em saúde mental é um componente essencial para o bem-estar individual e coletivo, contudo, enfrenta dificuldades substanciais. Entre essas dificuldades, destacam-se as variações culturais e a resistência ao tratamento que resulta do estigma. Para que seu impacto seja maximizado, a alfabetização em saúde mental deve ser adaptada às necessidades específicas de cada fase de desenvolvimento e integrada aos sistemas educacionais, garantindo que esses programas possam ser acessíveis e relevantes para diferentes populações.

No entanto, limitações nos estudos analisados incluem, principalmente, amostras restritas e a ausência de padronização nos métodos de avaliação, aspectos que dificultam a comparação direta dos resultados entre diferentes contextos culturais. Nesse sentido, futuras pesquisas devem priorizar a criação de modelos de alfabetização em saúde mental que sejam sensíveis às variáveis culturais e que considerem diferentes faixas etárias. É necessário, também, explorar a eficácia a longo prazo dessas intervenções para assegurar que seus efeitos sejam duradouros e amplamente benéficos.

CONCLUSÃO

Assim, a análise dos estudos sugere que, embora existam avanços significativos na implementação de programas educativos e no aumento da conscientização sobre saúde mental, ainda é preciso abordar problemas importantes, como o estigma e a falta de uniformidade nas metodologias de avaliação. Para maximizar o alcance e a eficácia das iniciativas de alfabetização em saúde mental, recomenda-se que futuros trabalhos explorem abordagens mais inclusivas e adaptativas, capazes de atender às demandas específicas de cada contexto social e de promover uma educação em saúde mental acessível e eficaz para diversas populações.

 

Referências

  • Bröder, J., Okan, O., Bauer, U., et al. (2017). Health literacy in childhood and youth: a systematic review of definitions and models. BMC Public Health, 17, 361. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4267-y
  • Kutcher, S., Wei, Y., & Coniglio, C. (2016). Mental health literacy: Past, present, and future. Canadian Journal of Psychiatry, 61(3), 154–158. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
  • Sampaio, F., Gonçalves, P., & Sequeira, C. (2022). Mental health literacy: It is now time to put knowledge into practice. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19, 7030. https://doi.org/10.3390/ijerph19127030
  • Tay, J. L., Tay, Y. F., & Klainin-Yobas, P. (2018). Mental health literacy levels. Archives of Psychiatric Nursing, 32(6), 768–774. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2018.04.007
  • Vimalanathan, A., & Furnham, A. (2018). Comparing physical and mental health literacy. Journal of Mental Health. https://doi.org/10.1080/09638237.2018.1466050

 

COMO AGIR QUANDO UMA PIADA MACHUCA SEUS SENTIMENTOS: DICAS PARA IMPLEMENTAR AÇÕES PROTETIVAS

29 setembro, 2024

O assédio moral pode ocorrer de maneira sutil, muitas vezes disfarçado de provocações e piadas, seja no ambiente escolar, doméstico ou de trabalho. Embora algumas brincadeiras afetuosas possam fortalecer relacionamentos, em certos casos, elas ultrapassam limites, provocando sentimentos de vergonha, raiva e constrangimento. Por isso, é fundamental reconhecer quando essas situações se transformam em assédio emocional e entender como implementar ações protetivas nesses contextos.

As piadas, quando feitas com respeito e compreensão, podem estreitar laços. No entanto, quando uma brincadeira vai longe demais, ela pode ferir sentimentos, causar desconforto e prejudicar o senso de segurança e confiança da pessoa.

Desta forma, as provocações afetuosas são uma forma saudável de interação, desde que mantidas dentro dos limites do respeito mútuo. Porém, é fundamental identificar quando esses limites são cruzados e a brincadeira se transforma em abuso emocional. Abaixo, algumas ações protetivas que podem ser adotadas por aqueles que se sentem vítimas de piadas prejudiciais.

1. Confie nos seus instintos: Se algo na piada faz você se sentir desconfortável ou magoado, é importante ouvir seus sentimentos. Mesmo que o provocador diga que "está apenas brincando", isso não diminui o impacto emocional. Neste caso, o desconforto é válido e merece ser levado a sério. Não se sinta obrigado a aceitar uma piada que lhe causa dor.

2. Defina limites de forma clara e calma: Quando uma piada passar dos limites, é fundamental estabelecer limites com a pessoa que a fez. Uma abordagem calma e assertiva é fundamental para evitar confrontos e, ao mesmo tempo, comunicar que a brincadeira precisa parar. Frases simples como "Eu desejaria que você não dissesse isso" ou "Isso está começando a me incomodar" podem ser eficazes. Também pode questionar de forma direta: "Você pretende me machucar com isso?"

Nenhum assediador suporta ações ativas de defesa, pois ele se alimenta de atitudes passivas; portanto, ao estabelecer limites de forma calma e assertiva, você retira o poder da agressão disfarçada de brincadeira e afirma seu direito ao respeito.

3. Aborde o problema em um momento oportuno: Se a provocação ocorrer diante de outras pessoas, uma boa estratégia é evitar reações imediatas e abordar o provocador em um momento mais privado. Isso ajuda a resolver o problema sem constranger a pessoa, mantendo um tom conciliador e evitando a escalada do conflito. Assim, numa abordagem delicada você pode dizer: "Estou começando a sentir que isso está me machucando, e não acho que você tenha essa intenção."

4. Ações de proteção emocional: Para quem é alvo recorrente de piadas desagradáveis, é importante desenvolver habilidades de autoproteção emocional. Isso pode incluir o fortalecimento de sua autoestima, praticando o autorrespeito e estabelecendo limites firmes nas interações. Também pode ser útil buscar apoio em um círculo de confiança ou em profissionais da saúde mental, que podem orientar sobre como lidar com essas situações de maneira eficaz.

5. Evite alimentar provocações: Se você for a pessoa que costuma fazer brincadeiras, é fundamental estar atento às reações da outra parte. Se houver um silêncio desconfortável ou uma expressão de desaprovação, peça desculpas rapidamente e mostre empatia. O respeito mútuo é a base de qualquer relação saudável, e provocações não devem ser usadas como uma forma de agressão disfarçada de humor.

Por que as ações protetivas são importantes? Quando uma pessoa se sente atacada ou desrespeitada por uma piada, sua sensação de segurança no relacionamento ou no ambiente pode ser seriamente comprometida. Estabelecer limites claros e adotar estratégias de proteção emocional são passos fundamentais para preservar o bem-estar e prevenir que provocações evoluam para formas mais graves de abuso emocional.

Ao criar um ambiente de respeito e comunicação aberta, tanto a pessoa que se sente ofendida quanto o provocador podem aprender a equilibrar as interações de forma saudável, sem prejudicar o vínculo ou o afeto entre as partes envolvidas.

O mais importante: Nunca aceite, em momento algum de sua vida, qualquer forma de assédio. É crucial agir de forma rápida e decisiva quando confrontado com situações abusivas. O abusador se alimenta de atitudes passivas e da inação das suas vítimas, usando até disfarces sutis para camuflar seu comportamento prejudicial. Ao adotar uma postura assertiva e enfrentar a situação com clareza, você tira do abusador o controle que ele tenta exercer. No entanto, é importante que suas ações de defesa sejam naturais e alinhadas ao seu próprio bem-estar, pois ao fazer algo que não condiz com quem você realmente é, apenas fortalece as táticas do agressor. Seja firme, proteja seus limites e lembre-se de que sua dignidade e respeito estão sempre em primeiro lugar.

 

A COMPLEXIDADE DOS COMPORTAMENTOS EM CRIANÇAS: A IMPORTÂNCIA DE AVALIAÇÕES CUIDADOSAS E LONGITUDINAIS

21 setembro, 2024

A avaliação de crianças com problemas comportamentais e emocionais é uma tarefa que exige não apenas um olhar clínico criterioso, mas também uma compreensão profunda das complexidades envolvidas na apresentação dos sintomas. Em muitos casos, sinais como irritabilidade severa, explosões de raiva e dificuldades de interação social podem sugerir a presença de diversos transtornos. No entanto, é comum que haja uma sobreposição de sintomas entre condições como o Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor (TDDH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), tornando o diagnóstico um problema significativo para os profissionais de saúde.

Tanto o TDDH quanto o TEA apresentam sintomas como irritabilidade crônica, emoções emocionais e dificuldades em lidar com frustrações. Embora essas características possam ser comuns a ambos os transtornos, a origem desses comportamentos e a forma como eles se manifestam podem variar consideravelmente. No TDDH, por exemplo, a desregulação emocional é frequentemente reativa aos estímulos diários, enquanto no TEA as explosões podem estar mais relacionadas a dificuldades com mudanças de rotina ou sobrecarga sensorial.

A questão é que, em uma avaliação inicial, pode ser difícil distinguir se a irritabilidade de uma criança está mais relacionada a dificuldades na regulação emocional ou a um transtorno de desenvolvimento social. Além disso, outros transtornos, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e os transtornos de ansiedade, podem estar presentes, complicando ainda mais o quadro clínico.

Diante dessa complexidade, é fundamental que os profissionais de saúde mental realizem avaliações cuidadosas e abrangentes, evitando instruções rápidas ou diagnósticos com base em observações superficiais. A entrevista clínica detalhada, a aplicação de escalas de comportamento e a coleta de informações de múltiplos contextos, como escola e ambiente familiar, são essenciais para uma compreensão mais precisa do quadro clínico.

Além disso, o diagnóstico diferencial deve sempre ser uma prioridade. A sobreposição de sintomas entre transtornos, como o TDDH e o TEA, exige que os profissionais considerem múltiplas possibilidades diagnósticas antes de definir um tratamento. O uso de ferramentas diagnósticas padronizadas e a consulta a especialistas em desenvolvimento infantil e psiquiatria da infância e adolescência podem ser fundamentais para refinar a avaliação.

Desta forma, para garantir uma compreensão mais completa dos sintomas, é essencial que as avaliações não se limitem a um momento único. Muitas vezes, o comportamento de uma criança pode mudar ao longo do tempo, e sintomas que não são evidentes inicialmente podem se tornar mais claros com o desenvolvimento social e emocional.

A avaliação longitudinal – ou seja, o acompanhamento da criança ao longo de meses ou anos – é particularmente importante em casos complexos onde a sobreposição de sintomas dificulta o diagnóstico inicial. Essa abordagem permite que os profissionais observem como os sintomas evoluem e como diferentes contextos, como a transição para a adolescência, influenciam o comportamento da criança. Além disso, ao longo do tempo, as demandas sociais e escolares aumentam, o que pode trazer à tona características não evidentes durante uma infância precoce, como dificuldades mais acentuadas de socialização ou padrões rígidos de comportamento, típicos do TEA.

Outro aspecto fundamental na avaliação de crianças com sintomas comportamentais complexos é a abordagem multidisciplinar. Psicólogos, psiquiatras, pediatras, educadores e terapeutas ocupacionais devem trabalhar juntos para obter uma visão abrangente do quadro da criança e produzirem relatórios de acompanhamento para dar subsídio as avaliações de seguimento multidisciplinar. Cada profissional traz uma perspectiva única que pode ser vital para o diagnóstico e para o planejamento do tratamento.

Por exemplo, um terapeuta ocupacional pode identificar padrões sensoriais que indicam sobrecarga em crianças com TEA, enquanto um psicólogo pode observar padrões de pensamento catastróficos em crianças com TDDH. Essa colaboração entre diferentes áreas do conhecimento ajuda a criar um plano de tratamento mais eficaz e adaptado às necessidades individuais de cada criança e fundamentais para estabelecimento do diagnóstico definitivo.

Portanto, a avaliação de crianças com comportamentos disruptivos presentes em diversos transtornos e sintomas emocionais complexos requer uma abordagem cuidadosa, criteriosa e, sobretudo, longitudinal. A sobreposição de sintomas entre diferentes transtornos, como TDDH e TEA, dificulta o diagnóstico inicial e reforça a necessidade de um acompanhamento contínuo e detalhado. Os profissionais de saúde mental devem estar atentos à evolução dos sintomas ao longo do tempo e utilizar uma abordagem colaborativa e multidisciplinar para garantir que o diagnóstico seja o mais preciso possível e que o tratamento atenda plenamente às necessidades da criança.

 

“MUITAS PESSOAS TEMEM A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. ELAS NÃO DEVERIAM!”

11 agosto, 2024

Em um período de intensificação dos debates sobre o caráter e os efeitos da Inteligência Artificial (IA) na sociedade, muitas discussões se concentram na preocupação de que as máquinas possam superar os humanos em diversas habilidades. Essa perspectiva é destacada no recente artigo de opinião de David Brooks, "Many People Fear A.I. They Shouldn’t", veiculado no The New York Times. O texto nos direciona a uma reflexão mais aprofundada sobre as características intrínsecas da mente humana em contraponto às capacidades da IA.

A mente humana é frequentemente simplificada como uma mera máquina de processamento de informações, uma visão que ignora a rica complexidade das capacidades cognitivas e emocionais humanas. Como destacado por Michael Ignatieff, a mente humana não se reduz a algoritmos e processamentos; ela é uma entidade que engloba consciência, emoções, moralidade e um senso de pessoalidade que é moldado por experiências únicas e irreplicáveis. Este entendimento ressalta uma importante distinção entre ser humano e ser uma máquina.

A capacidade humana de pensar não se limita à lógica ou ao raciocínio analítico; ela inclui uma profunda interação entre pensamento consciente e inconsciente, emoções e intuições. A neurociência moderna, mesmo com seus avanços, ainda trabalha arduamente para compreender plenamente como operam essas interações. Isto é evidenciado pela complexidade com que o cérebro humano processa e reage a estímulos, contrastando fortemente com a forma como as máquinas de IA processam dados.

O potencial da IA para imitar ou replicar o pensamento humano é, até o momento, limitado principalmente ao processamento de grandes volumes de informação e à realização de tarefas específicas com eficiência superlativa. Contudo, ela falha em aspectos fundamentais que definem a experiência humana: a consciência, a empatia e a capacidade de formar julgamentos morais baseados em experiências subjetivas e emocionais.

A IA, no entanto, não deve ser vista apenas como uma ameaça ou um rival. Como Brooks aponta, ela tem o potencial de ser uma aliada importante, liberando os seres humanos de tarefas repetitivas e permitindo foco em atividades que necessitam de criatividade, empatia e interação humana. Ela pode democratizar o acesso ao conhecimento e à expertise, transformando educação e suporte em áreas como saúde e direito, especialmente em comunidades carentes.

A verdadeira questão, então, não é se a IA vai substituir a mente humana, mas como podemos utilizar essa tecnologia para ampliar nossas capacidades sem perder de vista os atributos que nos tornam distintamente humanos. O futuro coexistente entre humanos e IA deverá focar no fortalecimento das qualidades humanas que definem nossa essência — a capacidade de amar, criar, explorar e crescer em nossa dimensão unicamente humana.

Assim, a era da inteligência artificial nos proporciona a reafirmar e cultivar o que é inerentemente humano. Ao abraçarmos essa tecnologia, devemos também nos esforçar para entender melhor e valorizar a complexidade e a beleza da mente humana, garantindo que a IA sirva à humanidade, e não o contrário.

Fonte: https://www.nytimes.com/interactive/2024/07/31/opinion/ai-fears.html

 

IMPULSIVO E HIPERATIVO? NÃO SIGNIFICA QUE VOCÊ TEM TDAH

22 julho, 2024

A reportagem do The New York Times, escrita por Christina Caron, aborda um tema clínico essencial: a complexidade do diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O texto destaca que muitos sintomas associados ao TDAH, como desatenção, hiperatividade e impulsividade, são comuns a uma série de outros transtornos e condições. Por isso, é fundamental que profissionais de saúde realizem uma avaliação cuidadosa. Diagnósticos desse tipo exigem atenção meticulosa e não devem ser baseados apenas em escalas de auto ou heterorrelato, ou realizados em uma única consulta de uma hora.

Um exemplo importante mencionado na reportagem é o caso de um menino de 6 anos que foi inicialmente suspeito de ter TDAH por sua professora. No entanto, o Dr. Douglas Tynan, psicólogo clínico infantil, identificou que a verdadeira causa de sua desatenção era o tédio devido ao seu alto potencial acadêmico (altas habilidades/superdotação). Este exemplo ilustra como diagnósticos precipitados podem ser equivocados e como é vital considerar todas as possibilidades numa avaliação de tipo guarda-chuva para evitar vieses de diagnósticos.

A reportagem também enfatiza outros fatores que podem imitar os sintomas de TDAH, como transtornos de comportamento e humor, transtornos de ansiedade (especialmente a ansiedade generalizada), uso de substâncias, problemas de sono, distração digital e condições físicas ou estresse. Na verdade, a dificuldade de concentração é um dos sintomas mais comuns listados no manual de diagnóstico da American Psychiatric Association, e está associada a 17 diagnósticos, conforme o estudo "Elemental psychopathology: distillingconstituent symptoms and patterns of repetition in the diagnostic criteria ofthe DSM-5" de Forbes MK e colaboradores, publicado em abril na Psychol Med. Cada um desses fatores pode causar dificuldades de concentração e outros comportamentos típicos do TDAH, mas exige abordagens de tratamento diferentes.

Para aqueles interessados em explorar mais sobre este tema e compreender melhor a complexidade do diagnóstico do TDAH, a leitura completa da reportagem é altamente recomendada. Acesse o artigo original no The New York Times (referencial abaixo).

Essa análise detalhada nos lembra da importância de uma avaliação abrangente e do risco de autodiagnósticos e diagnósticos fastfood realizados, que podem levar a tratamentos inadequados. Se você ou alguém que você conhece está enfrentando sintomas semelhantes aos do TDAH, procure orientação de um profissional de saúde qualificado para garantir um diagnóstico preciso e um plano de tratamento eficaz.

Fonte: Caron, C. (2024, 22 de julho). Impulsive and Hyperactive? It Doesn’t Mean You Have A.D.H.D. The New York Times. Link para a reportagem.

 

"A FILHA PERDIDA" E OS CONFLITOS DE IDENTIDADE DA MULHER AO SER TORNAR MÃE

7 julho, 2024

O filme "A Filha Perdida", dirigido por Maggie Gyllenhaal, e o livro homônimo de Elena Ferrante, exploram a temática da maternidade e seus tabus, tirando a fórceps de nós reflexões sobre o papel da mulher como mãe e sua identidade. A história se centraliza em Leda, uma mulher que analisa introspectivamente suas decisões como mãe e as consequências dessas escolhas na sua relação com a mesma e com suas filhas.

No filme, Leda é apresentada como alguém que oscila entre sua liberdade pessoal e a opressiva responsabilidade da maternidade. Gyllenhaal, em sua estreia como diretora, escolhe uma abordagem que permite que as complexidades emocionais e decisões de Leda sejam exploradas sem julgamentos, ampliando a discussão sobre maternidade como uma experiência pendular entre desenvolvimento e aniquilamento.

O filme e o livro propõem uma crítica à idealização da maternidade, revelando como ela pode ser uma fonte de conflito interno e externo. A narrativa sugere que, entre outras questões, ao tornarem-se mães, algumas mulheres podem sentir que perderam uma parte de sua identidade anterior, lutando para manter sua individualidade diante das expectativas culturais e pessoais.

A transição de ser filha para se tornar mãe, como explorada em "A Filha Perdida" é rica em simbolismo e possui profundas implicações filosóficas e psicológicas. Este tema pode ser analisado à luz de teorias psicológicas sobre identidade e filosofias sobre o papel social e pessoal.

Psicologicamente, a maternidade pode ser vista como uma crise de identidade para algumas mulheres. Essa transição frequentemente desencadeia uma reavaliação de quem elas são, agora como mães e não mais apenas como filhas. O termo "filha perdida" pode simbolizar a perda da identidade prévia que é sacrificada, muitas vezes involuntariamente, em prol das novas demandas e responsabilidades da maternidade. Do ponto de vista da psicologia analítica de Carl Jung, por exemplo, essa transição pode ser vista como um encontro com a "sombra" ou com aspectos reprimidos do self que vêm à tona com as especificações emocionais e físicas da maternidade.

Filosoficamente, a discussão pode ser enquadrada em termos de ética do cuidado e da teoria do reconhecimento. A ética do cuidado, uma teoria proposta por filósofos como Carol Gilligan, argumenta que a moralidade está intrinsecamente ligada ao cuidado interpessoal, uma perspectiva que pode ser estressante e opressiva quando imposta como expectativa cultural exclusiva sobre as mulheres. Por outro lado, a teoria do reconhecimento, especialmente desenvolvida por Axel Honneth, sugere que a identidade individual é formada e mantida através do reconhecimento múltiplo. Neste contexto, se uma mulher não é reconhecida em suas múltiplas dimensões — não apenas como mãe, mas também como indivíduo com aspirações próprias — isso pode levar a um sentimento de alienação e perda de identidade.

O conflito interno de Leda reflete essas questões filosóficas e psicológicas. Ela duela com o desejo de independência e a realização pessoal versus o peso da responsabilidade materna. Essa dualidade é ainda mais impulsionada pelo julgamento social e pela autoavaliação, onde Leda se encontra presa entre suas necessidades e desejos e as expectativas sociais de maternidade, mesmo depois do cuidado básico não fazer mais parte de suas rotinas. O filme e o livro lidam com a ambiguidade moral e a complexidade emocional sem oferecer respostas fáceis, destacando a ambiguidade contínua das mulheres para reconciliar essas identidades conflitantes.

Assim, tanto na literatura quanto no cinema, "A Filha Perdida" serve como uma exploração poética e incomoda para todas nós mulheres das facetas da identidade feminina, abrindo outras portas para as narrativas históricas sobre maternidade e autoidentidade.

 

POR QUE TENDEMOS A PRIORIZAR O SOFRIMENTO FÍSICO EM DETRIMENTO DO EMOCIONAL?

26 maio, 2024

Na convergência entre ciências e filosofia, insurge uma indagação especificamente humana: por que tendemos a priorizar o sofrimento físico em detrimento do emocional? Essa tendência é evidente não apenas nas interações humanas, mas também no cuidado com animais de estimação. Por exemplo, o dilema de um tutor de dois cachorros ilustra bem essa questão: enquanto um animal com dificuldades de locomoção recebe apoio físico visível, o outro, que sofre de ansiedade, enfrenta seu desconforto emocional de maneira menos palpável. Este cenário destaca como percebemos e respondemos a diferentes tipos de dor.

Tanto a filosofia quanto as ciências são instrumentais para explorar essa dicotomia. A filosofia questiona as implicações éticas e morais de nossas escolhas, ponderando sobre nossos valores sociais. Já a ciência, por sua vez, tenta quantificar e analisar reações fisiológicas e comportamentais, buscando fornecer uma explicação baseada em evidências para nossas ações.

Este texto dá alguns pitacos sobre a razão pela qual frequentemente colocamos o sofrimento físico acima do emocional, usando fundamentos filosóficos e apontamentos científicos para entender essa tendência.

A PERCEPÇÃO VISÍVEL DO SOFRIMENTO

Filosoficamente, uma das explicações para essa tendência está no conceito de "visibilidade". O sofrimento físico é frequentemente mais visível e mensurável, o que faz com que seja mais fácil de reconhecer e validar. Por exemplo, a dificuldade de locomoção de um cachorro idoso é uma manifestação física direta e observável de desconforto. Em contraste, o sofrimento emocional, como a ansiedade, é intrinsecamente mais subjetivo e menos perceptível externamente.

Cientificamente, isso encontra respaldo em estudos sobre "empatia diferencial", onde pesquisas indicam que as pessoas são mais propensas a responder a sinais físicos de dor porque esses sinais são mais fáceis de identificar e compreender. Uma pesquisa publicada no "Journal of Pain" sugere que observadores podem julgar a intensidade da dor física com base em expressões faciais e comportamentos evidentes, mas têm mais dificuldade em avaliar a dor psicológica devido à sua natureza menos óbvia.

A HIERARQUIA DAS NECESSIDADES

Outra perspectiva filosófica importante é derivada da "hierarquia das necessidades" de Maslow, que postula que as necessidades físicas devem ser atendidas antes das emocionais ou psicológicas. Aplicando isso ao exemplo, a necessidade física imediata de mobilidade do cachorro mais velho pode ser vista como mais fundamental e urgente do que a ansiedade do cachorro mais jovem.

Do ponto de vista científico, isso pode ser complementado por estudos sobre decisão e priorização em cuidados de saúde. Pesquisadores da área médica frequentemente discutem como as decisões de tratamento são tomadas com base na urgência percebida, com prioridade para condições que ameaçam mais diretamente a vida ou a funcionalidade física imediata.

CULTURA E SENSIBILIZAÇÃO

Culturalmente e filosoficamente, nossa tendência a priorizar o físico sobre o emocional também pode ser influenciada pela valorização histórica da tangibilidade. Em muitas culturas, o que é concreto e mensurável é frequentemente considerado mais "real" ou sério do que o que não pode ser facilmente quantificado.

Em termos científicos, a literatura sobre saúde mental reflete uma mudança gradual nessa percepção. Estudos recentes começam a mostrar a importância de tratar a saúde mental com a mesma seriedade que a saúde física, destacando o impacto significativo que transtornos emocionais e psicológicos podem ter na qualidade de vida.

Portanto, a escolha de focar no sofrimento físico do cachorro idoso em detrimento do sofrimento emocional do mais jovem não é apenas uma decisão pessoal, mas também um reflexo de tendências culturais, filosóficas e científicas mais amplas. À medida que a conscientização sobre a saúde mental continua a crescer, é provável que vejamos uma maior validação e reconhecimento do sofrimento emocional, tanto em humanos quanto em animais, promovendo uma abordagem mais holística e equitativa no cuidado de seres vivos.

 

O USO DAS COMPENSAÇÕES EM PROCESSOS DE NEURORREABILITAÇÃO - O SEU CUSTO COGNITIVO E PSICOLÓGICO

25 maio, 2024

Na quietude da biblioteca, entre pilhas de periódicos, Sara, uma estudante de neurociência, busca aprofundar seus conhecimentos quanto aos processos de compensação no cérebro humano. A tese que ela pretende desenvolver é fundamental: ela tem como hipótese cerne que os processos de compensação, frequentemente ativados para ajustar nossas habilidades em resposta a déficits ou mudanças, são predominantemente funções cognitivas controladas — conscienciosas e, por conseguinte, potencialmente estressantes. A questão central é se essas adaptações requerem uma carga cognitiva alta que, por sua vez, se traduz em estresse cognitivo.

As evidências da literatura científica parecem apoiar a hipótese de Sara. Estudos sugerem que quando uma pessoa perde uma habilidade ou função, como a visão ou a mobilidade, o cérebro se reorganiza e compensa essa perda. Este processo não é apenas automático ou inconsciente, mas frequentemente envolve uma intensa atividade consciente e controlada. Por exemplo, uma pesquisa publicada na Neuroscience and Biobehavioral Reviews aponta que o aprendizado compensatório em indivíduos que sofreram lesões cerebrais envolve consideravelmente o córtex pré-frontal, uma área associada ao controle executivo e à tomada de decisões conscientes.

Além disso, há uma camada adicional de complexidade. O estresse que acompanha esses processos não é meramente físico ou neurológico, mas profundamente psicológico. Um artigo no Journal of Cognitive Neuroscience ilustra como pacientes em terapia para recuperar funções motoras após um Acidente Vascular Encefálico - AVE precisam não apenas reaprender habilidades, mas também gerenciar a frustração e o estresse psicológico que vêm com a consciência de suas limitações e o esforço para superá-las.

No contexto do autismo, os processos de compensação assumem uma relevância particularmente profunda. Indivíduos autistas, em especial de suporte 1, frequentemente desenvolvem estratégias compensatórias que lhes permitem percorrer por um mundo que não está intrinsicamente alinhado às suas maneiras únicas de processar informações. Essas compensações, muitas vezes conscientes e deliberadas, envolvem habilidades como imitação social e uso de scripts memorizados para interações sociais, o que pode ser cognitivamente exigente e gerar estresse significativo. Pesquisas sugerem que essas estratégias, enquanto eficazes em mascarar e compensar dificuldades no processamento social e na comunicação, podem contribuir para o aumento da carga cognitiva e para o esgotamento mental. De acordo com estudos publicados em periódicos como o Journal of Autism and Developmental Disorders, essa sobrecarga pode levar a um maior risco de fadiga e ansiedade, destacando a necessidade de suporte e intervenções que reconheçam e aliviem o peso desses processos compensatórios no autismo.

Sara reflete sobre a dualidade desses processos: são ao mesmo tempo adaptadores e tiranos. Ao oferecerem um meio para recuperar e adaptar, eles também demandam um tributo psicológico. Como escreve em seu rascunho, "o cérebro, em sua sabedoria intrincada, emprega uma quantidade considerável de seus recursos na autoconsciência durante a compensação, possivelmente elevando os níveis de cortisol e levando ao estresse. É um paradoxo da condição humana — nossa maior força pode também ser nossa maior vulnerabilidade."

Enquanto a noite cai e a biblioteca começa a esvaziar-se, Sara continua sua investigação, ciente de que cada linha de pesquisa que ela segue é um fio que tece a vasta tapeçaria da compreensão humana. Seu trabalho, embora árduo e às vezes angustiante, é um testemunho da incansável busca da ciência para entender não apenas como nos adaptamos, mas também o custo dessa adaptação. Com cada estudo que analisa e cada nota que faz, ela se aproxima um pouco mais de compreender a complexa coreografia da mente humana na balança entre compensação, estresse e adaptação por meio da aprendizagem.

 

COISAS SIMPLISTAS QUE A GENTE ESCUTA SOBRE O FUNCIONAMENTO CEREBRAL

19 maio, 2024

Em uma época cada vez mais dominada por discursos motivacionais e de autoajuda, frequentemente encontramos afirmações infundadas sobre o funcionamento do cérebro. Recentemente, ouvi uma coach declarar, com grande convicção, que "o cérebro não sabe distinguir o que é e o que não é realidade". Segundo ela, essa seria a razão para nunca falar mal de si mesma, nem em tom de brincadeira. Mas será que o cérebro realmente funciona dessa maneira? Vamos analisar essa questão com um toque de ciência.

Imagine que você está prestes a jogar uma partida de tênis. Você pega sua raquete, sente o peso e o equilíbrio perfeito em suas mãos. Agora, imagine que, em vez da raquete, você segura um guarda-chuva. Estranho, não? Mas o cérebro é um mestre em lidar com essas situações, e a neurociência nos ajuda a entender como.

Um exemplo importante para refletir sobre a afirmação da coach é a imagética motora, uma técnica que envolve a visualização mental de movimentos específicos sem realmente executá-los. Quando você imagina jogar tênis com uma raquete, seu cérebro ativa áreas como o córtex motor, o córtex pré-motor e o cerebelo, que são as mesmas áreas envolvidas quando você realmente está em ação. Isso ocorre porque o cérebro recria mentalmente os movimentos precisos necessários para manusear a raquete, incluindo a coordenação e a força aplicadas.

Mas o que acontece quando você imagina jogar tênis com um guarda-chuva? O cérebro ainda ativo áreas relacionadas à imagética motora, mas com uma diferença essencial. O guarda-chuva, sendo um objeto diferente, altera a representação mental do movimento. O córtex parietal, responsável pelo processamento da forma e peso dos objetos, adapta a estratégia de movimento. O cérebro ajusta a força e a trajetória, considerando as características únicas do guarda-chuva.

Consequentemente, o nosso cérebro é um verdadeiro maestro, integrando informações sensoriais e cognitivas para diferenciar entre objetos. Quando você imagina segurar uma raquete, ele acessa memórias sensoriais e motoras associadas à textura, peso e balanço da raquete. No caso do guarda-chuva, o cérebro processa sensações diferentes, como a sensação do cabo e seu equilíbrio menos otimizado para o jogo de tênis.

Além dos estudos de imagética motora, há outras pesquisas que exploram como o cérebro distingue entre realidade e imaginação. Por exemplo, um estudo conduzido pela Universidade de Harvard utilizou ressonância magnética funcional (fMRI) para observar como o cérebro reage a estímulos reais versus imaginados. Os participantes foram expostos a imagens visuais e, posteriormente, instruídos a imaginar essas mesmas imagens. Os resultados mostraram que, embora áreas semelhantes do cérebro fossem ativadas, a intensidade e o padrão de ativação diferiam significativamente entre a visualização real e a imaginada, indicando que o cérebro pode distinguir entre o que é visto e o que é apenas imaginado (Ganis G. et. al. 2004).

Já uma pesquisa da Universidade de Michigan explorou a diferença entre o diálogo interno positivo e negativo, abordando a premissa da coach, mas revelando nuances importantes. Utilizando fMRI, os pesquisadores descobriram que falar consigo mesmo de forma positiva ativa o córtex pré-frontal medial, uma área associada ao pensamento reflexivo e ao controle emocional. Em contraste, o diálogo interno negativo ativava a amígdala, uma região ligada ao medo e à ansiedade. Isso sugere que o cérebro processa e reage de maneira distinta a diferentes tipos de auto-fala. O estudo demonstrou que pequenas mudanças na linguagem que as pessoas usam para se referirem a si mesmas durante a introspecção influenciam sua capacidade de regular pensamentos, sentimentos e comportamento sob estresse social, mesmo para indivíduos vulneráveis (Kross E, et. al. 2014). No entanto, é incorreto afirmar que o “cérebro não sabe distinguir o que é e o que não é realidade”. O que ocorre é um processo de regulação dos pensamentos por meio do direcionamento da atenção via linguagem, resultando em diferentes reações emocionais conforme a valência negativa ou positiva da ação.

Outro estudo realizado na Universidade de Columbia examinou o efeito placebo e como o cérebro distingue entre um tratamento real e um placebo. Utilizando fMRI, os pesquisadores descobriram que a crença no tratamento (mesmo sendo um placebo) ativava áreas do cérebro associadas ao alívio da dor, como o córtex cingulado anterior e a ínsula. No entanto, quando os participantes sabiam que estavam recebendo um placebo, essas áreas não eram ativadas da mesma maneira. Isso indica que a crença e a expectativa podem influenciar a percepção, mas o cérebro ainda é capaz de distinguir entre tratamentos reais e simulados (Wager TD, et. al. 2004, 2011).

Assim, contrariando a afirmação simplista de que "o cérebro não sabe distinguir o que é e o que não é realidade", a ciência nos mostra que o cérebro é capaz de fazer distinções sutis e complexas. Ele integra informações sensoriais, motoras e cognitivas para criar representações mentais precisas, demonstrando uma capacidade sofisticada de diferenciar entre realidade e imaginação.

Portanto, da próxima vez que você ouvir alguém dizendo que o cérebro não sabe o que é real, lembre-se de que nosso cérebro é capaz de diferenciar entre uma raquete de tênis e um guarda-chuva, ou entre uma situação real e uma imaginada. Afinal, nosso cérebro é um órgão adaptável, perfeitamente equipado para processar dados captados pelo mundo real e pelo mundo da imaginação com clareza e precisão, até o momento não sendo demonstrado que poderia ser enganado pelo jogo da positividade farsesca.

Fontes:

Ganis G, Thompson WL, Kosslyn SM. Brain areas underlying visual mental imagery and visual perception: an fMRI study. Brain Res Cogn Brain Res. 2004 Jul;20(2):226-41. doi: 10.1016/j.cogbrainres.2004.02.012. PMID: 15183394.

Kross E, Bruehlman-Senecal E, Park J, Burson A, Dougherty A, Shablack H, Bremner R, Moser J, Ayduk O. Self-talk as a regulatory mechanism: how you do it matters. J Pers Soc Psychol. 2014 Feb;106(2):304-24. doi: 10.1037/a0035173. PMID: 24467424.

Wager TD, Rilling JK, Smith EE, Sokolik A, Casey KL, Davidson RJ, Kosslyn SM, Rose RM, Cohen JD. Placebo-induced changes in FMRI in the anticipation and experience of pain. Science. 2004 Feb 20;303(5661):1162-7. doi: 10.1126/science.1093065. PMID: 14976306.

Wager TD, Atlas LY, Leotti LA, Rilling JK. Predicting individual differences in placebo analgesia: contributions of brain activity during anticipation and pain experience. J Neurosci. 2011 Jan 12;31(2):439-52. doi: 10.1523/JNEUROSCI.3420-10.2011. PMID: 21228154; PMCID: PMC3735131.

 

EMOÇÕES MUSICAIS NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

12 abril, 2024

Compreender o desenvolvimento cognitivo e a consciência de si por meio da música, em contexto com a evolução da linguagem a partir das vocalizações dos proto-humanos, envolve abarcar como essas formas de expressão se bifurcaram e evoluíram para cumprimento de funções distintas, mas complementares, no desenvolvimento da mente humana. A música, com sua capacidade de preservação de conexões emocionais e manter ambiguidade semântica, contrasta e complementa a linguagem, que evolui para se tornar uma ferramenta semântica mais concreta e menos emocional. Este entendimento nos oferece uma perspectiva rica sobre como a música pode ser utilizada para promover o desenvolvimento cognitivo e a autoconsciência.

Desenvolvimento Cognitivo através da Música:

A música, com sua estrutura específica e capacidade de evocar respostas emocionais, oferece um terreno fértil para o desenvolvimento cognitivo. Atividades musicais, como essas de  VÍDEO , aprender como tocar um instrumento ou participar de jogos rítmicos, exigem atenção, memória, desenvolvimento motor e habilidades de planejamento. Essas atividades estimulam áreas do cérebro relacionadas à cognição, incluindo aquelas envolvidas no processamento da linguagem, memória e atenção. Além disso, a capacidade da música de envolver múltiplos sentidos simultaneamente pode melhorar a integração sensorial, essencial para o desenvolvimento cognitivo.

Consciência de Si e Expressão Emocional:

A música permite uma expressão emocional singular que transcende as capacidades da linguagem verbal, tornando-a uma ferramenta importante para a exploração e expressão da consciência de si. Por meio da música, os indivíduos podem explorar diferentes facetas de suas emoções e identidades, o que é fundamental para pessoas que podem ter dificuldades articulares em seus sentimentos e pensamentos através da linguagem convencional. A criação e interpretação musical oferecem um espaço para a autoexpressão e autoexploração, promovendo uma compreensão mais profunda de si mesmo e dos próprios estados emocionais.

A Música como Acesso para a Linguagem e Comunicação Social:

Considerando a hipótese da evolução paralela da linguagem e da música a partir das vocalizações dos proto-humanos, a música pode atuar como uma ponte para melhorar as habilidades de linguagem e comunicação social. Atividades musicais em grupo incentivam a comunicação não verbal e a escuta ativa, habilidades essenciais para uma comunicação eficaz. Para indivíduos com dificuldades em habilidades de linguagem convencional, a música pode oferecer um meio alternativo de comunicação e interação, facilitando a conexão com os outros e o mundo social.

Quem são os proto-humanos:

são frequentemente referidos na literatura científica como hominídeos ou hominins, representam os membros da linhagem evolutiva que conduz aos humanos modernos, Homo sapiens, mas são diferentes de nossos ancestrais diretos mais recentes. Esta categoria abrange uma variedade de espécies que compartilham um ancestral comum com os humanos modernos e os chimpanzés, nosso parente vivo mais próximo, e inclui formas que surgiram após a divergência dessa linhagem ancestral comum, há cerca de 5 a 7 milhões de anos atrás.

Características dos Proto-Humanos:

Os proto-humanos exibem uma mistura de características, algumas das quais são semelhantes aos humanos modernos, enquanto outras são mais primitivas ou semelhantes aos grandes macacos. Entre as características comuns aos proto-humanos, podemos citar:

  • Bipedalismo: Uma das primeiras e mais significativas características dos proto-humanos é a capacidade de andar ereto em duas pernas, conhecido como bipedalismo. Esta característica é considerada um marco importante na evolução humana, pois libera as mãos para outras funções, como o uso de ferramentas.
  • Capacidade Craniana: Ao longo do tempo, os proto-humanos evoluíram crânios maiores, diminuindo um aumento na capacidade cerebral. Isso sugere uma evolução progressiva das habilidades cognitivas e das capacidades sociais e culturais.
  • Uso de Ferramentas: Alguns dos primeiros proto-humanos começaram a usar ferramentas de pedra para diversas atividades, como caça, preparação de alimentos e proteção. O uso de ferramentas é um indicativo de habilidades cognitivas avançadas e de resolução de problemas.
  • Mudanças na Estrutura Dentária: Mudanças na estrutura dos dentes e mandíbulas dos proto-humanos refletem adaptações à dieta e ao modo de vida, incluindo a transição de uma dieta baseada principalmente em vegetais para uma que inclui mais carne.

Exemplos de Proto-Humanos:

Várias espécies são específicas como proto-humanos, incluindo, mas não se limitando a:

  • Australopithecus: Um dos primeiros gêneros conhecidos, viveu entre cerca de 4 a 2 milhões de anos atrás e exibiu muitas características primitivas, mas era bípede.
  • Homo habilis: Considerado um dos primeiros membros do gênero Homo, viveu há cerca de 2,1 a 1,5 milhões de anos atrás e é conhecido por seu uso de ferramentas de pedra.
  • Homo erectus: Uma espécie que viveu entre cerca de 1,9 milhão a 143 mil anos atrás, conhecida por sua postura ereta, maior capacidade cerebral e uso avançado de ferramentas.

Os proto-humanos desempenham um papel fundamental em nosso entendimento da evolução humana, representando os elos entre os primatas não humanos e os humanos modernos. Seu estudo ajuda a esclarecer a origem de características humanas únicas, incluindo a linguagem, o uso de ferramentas, a cultura, e a socialização complexa.

Fontes:

Perlovsky L. Emoções musicais: funções, origens, evolução. Phys Life Rev. 2010 março;7(1):2-27. doi: 10.1016/j.plrev.2009.11.001. Epub 2009, 6 de novembro. PMID: 20374916.

https://www.instagram.com/reel/C5i7phROv_1/?igsh=MWFyMDZlMnAwaWl2dg==

 

A NEURORREABILITAÇÃO NO TRANSTORNO ESPECÍFICO DE APRENDIZAGEM - DISLEXIA

2 abril, 2024

A reabilitação de indivíduos com dislexias requer uma abordagem de modulação cognitiva que leve em consideração os mecanismos subjacentes à leitura e as dificuldades específicas enfrentadas por esses leitores. Com base no artigo "Rapid improvement of reading performance in children with dyslexia by altering the reading strategy" de Reinhard Werth, pode-se sintetizar o ponto fundamental para reabilitar indivíduos com dislexias, considerando os aspectos destacados (Werth, 2018):

  1. Fixação Apropriada: É fundamental que o leitor consiga fixar sua atenção no local apropriado dentro de uma palavra ou segmento de palavra que esteja lendo. A capacidade de processar várias letras simultaneamente e a fixação correta em um ponto específico de uma palavra ou segmento são indispensáveis para uma leitura eficaz. Werth encontrou que quando palavras foram apresentadas de maneira que pudessem ser lidas corretamente, até mesmo sujeitos com dislexias graves foram capazes de ler 95% das palavras corretamente, após ajustar onde e como fixavam sua atenção nas palavras. Importante destacar que a capacidade mínima e máxima de processamento de letras simultâneas entre os participantes com dislexia variou significativamente, refletindo a diversidade nas habilidades de leitura individual. Alguns participantes conseguiram reconhecer apenas três letras simultaneamente dentro de um intervalo de fixação de até 400 milissegundos. Em contraste, outros foram capazes de processar até seis letras simultaneamente em um intervalo de tempo de fixação de 250 milissegundos. Isso demonstra uma variação considerável nas capacidades visuais e cognitivas dos leitores com dislexia, indicando a necessidade de estratégias de leitura personalizadas que levem em consideração a capacidade individual de reconhecimento de letras simultâneas.

  2. Capacidade de Processamento Simultâneo: A intervenção deve levar em conta se a capacidade do leitor de processar simultaneamente várias letras está reduzida. A terapia de leitura desenvolvida por Werth compensava os déficits neurais existentes, permitindo que leitores disléxicos aprendessem a não tentar reconhecer mais letras simultaneamente do que eram capazes, ajustando assim o tamanho do segmento de palavra que tentavam ler. Quando os participantes do estudo conseguiram ler apenas quantidades menores de letras e a palavra apresentada continha mais letras do que eles eram capazes de processar simultaneamente, a estratégia adotada foi a de segmentar as palavras em partes menores, que se adequassem à capacidade de reconhecimento simultâneo de letras do participante. Isso significava dividir palavras mais longas em segmentos ou grupos de letras que não excedessem o número máximo de letras que o leitor podia processar de uma vez. Essa abordagem permitia aos leitores com dislexia concentrar-se em reconhecer e pronunciar corretamente segmentos menores de palavras antes de avançar para os segmentos subsequentes, facilitando assim a leitura precisa de palavras inteiras.

  3. Amplitude das Sacadas: As amplitudes das sacadas (movimentos rápidos dos olhos entre pontos de fixação) devem corresponder ao número de letras que podem ser reconhecidas simultaneamente pelo leitor. A estratégia de leitura compensatória ensinada garantia que os movimentos oculares estivessem alinhados com a capacidade de reconhecimento simultâneo de letras do leitor, melhorando a eficiência da leitura.

  4. Tempo de Fixação: O leitor precisa de um tempo de fixação adequado para processar um determinado número de letras. Werth demonstrou que ajustar o tempo de fixação para garantir que fosse suficiente para o reconhecimento das letras dentro de um segmento de palavra específico era uma parte vital da estratégia de leitura compensatória. Isso era conseguido por meio de sinais visuais, como marcas de fixação que indicavam o ponto dentro de cada segmento de palavra ao qual o olhar deveria ser direcionado, e sinais acústicos que sinalizavam o momento apropriado para começar a pronunciar o segmento após um período de fixação suficiente. Essas estratégias eram parte de uma abordagem compensatória que visava adaptar o processo de leitura às capacidades individuais dos leitores com dislexia, melhorando significativamente seu desempenho de leitura​​.

  5. Tempo desde o Início da Fixação até a Pronúncia: A intervenção deve considerar quanto tempo o leitor precisa desde o início da fixação até conseguir pronunciar uma palavra corretamente. O ajuste dos tempos de fixação e início da pronúncia para corresponder às necessidades individuais do leitor foi essencial para reduzir os erros de leitura.


Em resumo, a chave para a reabilitação eficaz de indivíduos com dislexias, conforme apresentado no artigo, envolve ensinar uma estratégia de leitura compensatória que ajuste a fixação dos olhos, a capacidade de processamento simultâneo de letras, as amplitudes das sacadas, o tempo de fixação e o tempo necessário para começar a pronunciar palavras. Essa abordagem não apenas compensa as limitações neurológicas, mas também aproveita as capacidades existentes do leitor para melhorar imediatamente o desempenho na leitura​​.

Fonte: 

Werth, R. (2018). Rapid improvement of reading performance in children with dyslexia by altering the reading strategy: A novel approach to diagnoses and therapy of reading deficiencies. Restorative Neurology and Neuroscience36(6), 679–691. https://doi.org/10.3233/RNN-180829

 

"E DEPOIS?", ESSA "RIDÍCULA IDEIA DE NUNCA MAIS TE VER"

11 fevereiro, 2024

O curta-metragem indicado ao Oscar "E depois?" nos leva a uma reflexão profunda sobre as tragédias que permeiam nossas vidas, sejam elas pequenas ou grandes, e que moldam nossa existência e nossa capacidade de resistir diante de dores que parecem transcender a própria condição humana. A perda de um filho, uma dor devastadora em qualquer circunstância, se torna ainda mais incompreensível quando acontece em meio à violência, especialmente quando acompanhada de uma perda dupla, como a de sua mulher. O filme aborda esse tema com uma sensibilidade comovente, ecoando as palavras de Rosa Monteiro em seu livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver", onde ela explora como os momentos de nascimento e morte nos possibilitam transcender o tempo cotidiano e vislumbrar uma verdade profunda e imutável.

A vivência do luto é descrita no livro como indescritível, uma dor que nos retira a capacidade de expressar o que sentimos, conforme a autora tão bem descreve em seu livro, e que é ecoada doloridamente no filme ao retratar o personagem após sua terrível perda, em um estado de silêncio, absorvendo e testemunhando as dores dos outros. Algumas dessas dores podem parecer triviais em comparação com a sua própria, mas talvez sirvam, também, como um preparo a esses distraídos ignorantes para a experiência terrível que possam viver em algum dia. No entanto, esses momentos de dores triviais e dilacerantes nos lembram da importância de priorizar o que realmente importa em meio às distrações cotidianas tão ridículas.

Rosa Monteiro, explora em seu livro algo muito presente no curta “E depois?” a ideia do "nunca mais" é uma das mais difíceis de aceitar durante o processo de luto. É como se o cérebro se recusasse a compreender a ideia de que alguém que ocupava tanto espaço em nossas vidas tenha desaparecido para sempre. O conceito de "sempre" parece quase alienígena para nossa compreensão limitada do tempo e da existência. No entanto, é através da linguagem que encontramos uma maneira de começar a reconstruir nossas vidas, dando sentido à nossa experiência e encontrando um novo propósito ou sentido para seguir em frente. O final do curta, aquele choro explosivo do personagem, é uma forma de recomeçar dele, entrelaçado com a dor da menina em seus silêncios. E a música explodindo com ele seguindo em frente.

Como Marie Curie tão perceptivamente observou, quando algo como o que aconteceu com o personagem do curta, com ela própria e com a autora do livro, Rosa Monteiro, morremos juntos com essa perda. Uma ruptura ocorre em nosso ser, pois o eu anterior se desvanece e somos compelidos a renascer com um novo propósito ou sentido de vida, algo que ainda pulsa dentro de nós e nos impulsiona a nos reconstruir. É nesse momento que a linguagem se torna nossa aliada vital, como sempre! Por meio da expressão e da comunicação verbal, iniciamos um processo lento de reconstrução, mesmo diante de uma dor que pode parecer sobre-humana aos olhos dos outros. Nesse processo, há um aspecto universal: a linguagem se mostra como uma ferramenta essencial para encontrar significado em meio à dor e ao caos que nos cercam, permitindo-nos reconstruir-nos novamente.

PS.: Dentro dessa temática vale muito assistir a série "Expatriadas" na Prime Video.

 

ALÉM DO INFERNO DE SARTRE: A BUSCA POR RELAÇÕES QUE PROTEGEM E TRATAM

20 janeiro, 2024

A célebre frase de Jean-Paul Sartre, "o inferno são os outros", captura a essência da complexa dinâmica das relações humanas e seu impacto na saúde mental, uma temática cada vez mais discutida e valorizada na sociedade contemporânea. Embora, frequentemente vista por uma perspectiva pessimista sobre as interações sociais, essa máxima sublinha que o ser humano necessita relacionar-se com o outro para construir a sua identidade, processo nem sempre tranquilo e harmonioso, e sobre a influência das relações em nossa psique. Exemplos disso são evidentes nas obras "Quincas Borba", de Machado de Assis, e "Angústia", de Graciliano Ramos, onde relações tóxicas e manipuladoras desencadeiam um declínio na saúde mental, criando um 'inferno' pessoal. Contudo, a saúde mental enfrenta dificuldades práticas, desde a negligência da formação emocional iniciando na infância até o acesso limitado a cuidados profissionais. Porém, é essencial reconhecer o potencial salutar das relações saudáveis, do apoio emocional e da compreensão mútua, que podem transformar o 'inferno' de Sartre em um percurso de reflexão e crescimento pessoal, mostrando como nossas interações interpessoais e sociais moldam profundamente nosso bem-estar mental.

Em "Quincas Borba", de Machado de Assis, a trajetória de Rubião, o herdeiro de uma grande fortuna deixada por Quincas Borba com a condição de cuidar de seu cão homônimo, é um exemplo vívido das consequências de relações danosas e manipuladoras. Ao longo do romance, Rubião é habilmente explorado pelo casal Sofia e Cristiano Palha. Eles o envolvem em uma teia de falsas amizades e lisonjas, aproveitando-se de sua ingenuidade e riqueza. O casal Palha orquestra uma série de ações predatórias, como encorajar Rubião a ter gastos extravagante e descontrolados, além de manipulá-lo emocionalmente, especialmente através da sedução e da falsa camaradagem. Eles são um dos melhores exemplos da literatura sobre o uso do amor e da sedução para fins de exploração moral e material do outro. Esse comportamento manipulador e exploratório do casal Palha é fundamental na progressiva deterioração mental de Rubião, que culmina em sua ilusão de ser o imperador francês Luís Napoleão. Este exemplo ilustra vividamente como interações tóxicas podem levar uma pessoa a um estado de profunda desconexão com a realidade.

Em "Angústia", de Graciliano Ramos, acompanhamos o colapso emocional de Luís, um personagem profundamente marcado por traumas e relações falhas. Após o término de seu noivado com Marina, que se compromete com Julião Tavares, Luís mergulha em uma espiral de angústia e obsessão. A narrativa se aprofunda em suas memórias de uma infância marcada pela ausência de afeto e diversas frustrações, que contribuem para sua visão desencantada da vida e falta de perspectiva.

A deterioração emocional de Luís é intensificada pela constante comparação de si mesmo com Julião Tavares, percebido como mais bem-sucedido e carismático. Essa comparação alimenta um sentimento de inadequação e inferioridade em Luís. A traição de Marina e o relacionamento dela com Julião agem como catalisadores para que Luís reviva suas inseguranças e traumas passados, exacerbando sua angústia.

As obsessões de Luís são detalhadas na narrativa através de seus comportamentos autodestrutivos e pensamentos intrusivos, como o seguimento constante de Marina e Julião, e as fantasias sobre vingança e violência. Esses pensamentos obsessivos culminam no ato impulsivo de assassinar Julião Tavares, um crime passional que serve como um escape temporário para seu sofrimento interno.

Após o crime, o estado mental de Luís deteriora ainda mais. Ele é consumido pela paranoia e pelo medo de ser descoberto, acompanhado de um profundo arrependimento e desespero. Esses elementos ilustram o percurso emocional fúnebre de Luís através de um labirinto de traumas reprimidos e relações falhas, culminando em uma profunda crise de saúde mental. "Angústia" de Graciliano Ramos, portanto, não apenas narra a história de um crime passional, mas também oferece uma exploração vívida do impacto devastador que as relações traumáticas e a angústia podem ter sobre a psique humana. Aliás, a própria estrutura física do romance é um labirinto sem saída.

Por outro lado, pela literatura cientifica, a teoria da aprendizagem social de Albert Bandura e as ideias de Sigmund Freud em "Psicologia das Massas e Análise do Eu" são cruciais para compreender como as relações sociais podem proteger, tratar ou adoecer nossa psique. Bandura, com sua teoria, destaca a importância do aprendizado observacional, mostrando que as pessoas aprendem e adaptam comportamentos ao observar os outros em seu entorno. Por exemplo, se uma criança observa um comportamento agressivo sendo recompensado, ela pode aprender a adotar comportamentos semelhantes. Da mesma forma, ver comportamentos positivos sendo reforçados pode levar à adoção de tais comportamentos.

Já em Freud, nas suas discussões sobre a psicologia das massas, explora como a identidade individual pode ser influenciada pela dinâmica de grupo. Ele sugere que, em um coletivo, os indivíduos podem adotar crenças e comportamentos que diferem de suas normas pessoais, muitas vezes subjugando suas próprias identidades para se encaixar no grupo. Isso pode levar a um estado de dependência ou alienação, onde a identidade e o bem-estar mental de um indivíduo estão intrinsecamente ligados à dinâmica do grupo.

Esses princípios ilustram a importância vital das interações sociais no tratamento ou adoecimento de nossa saúde mental. Um ambiente social positivo e construtivo pode promover o aprendizado de comportamentos saudáveis, apoio emocional e desenvolvimento de identidade, enquanto um ambiente negativo pode levar à adoção de comportamentos prejudiciais, alienação e deterioração da saúde mental. A famosa metáfora de Heráclito sobre o rio, que sugere que ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, ressalta essa constante mudança e transformação, mostrando como cada relação e experiência nos molda de maneira única, impactando diretamente nossa saúde mental.

Assim, a saúde mental não é algo que possa ser plenamente tratado apenas com medicamentos, especialmente quando os problemas provêm de interações sociais doentias, seja em âmbito individual ou grupal. Como demonstrado nas histórias de Rubião e Luís, relações tóxicas e traumáticas podem causar um profundo declínio na saúde mental. Embora os medicamentos possam aliviar certos sintomas, eles não têm a capacidade de alterar ou tratar as dinâmicas sociais subjacentes que contribuem para o sofrimento mental.

Uma abordagem mais holística é necessária para lidar com essas questões. Isso inclui desenvolver habilidades de comunicação eficaz, estabelecer limites saudáveis e buscar entender melhor a si mesmo e aos outros. A terapia, por exemplo, pode oferecer um espaço seguro para explorar as raízes de problemas relacionais e desenvolver estratégias para enfrentá-los. Além disso, o envolvimento em grupos de apoio ou comunidades que promovem a compreensão e a aceitação pode ser extremamente benéfico.

A participação em atividades que promovam o bem-estar mental, como mindfulness, exercícios físicos e hobbies que trazem alegria, também são fundamentais. Essas atividades não só proporcionam alívio do estresse, mas também ajudam na construção de uma estrutura mental mais resiliente.

Portanto, é crucial reconhecer que as interações sociais têm um impacto significativo em nossa saúde mental. Devemos nos esforçar para cultivar relacionamentos saudáveis e procurar apoio quando necessário, lembrando que cada relação e experiência que vivenciamos nos molda e influencia nossa estrutura mental e emocional. Em última análise, o caminho para uma saúde mental funcional envolve um equilíbrio entre o autocuidado, a gestão de relacionamentos e, quando necessário, a intervenção clínica apropriada.

 

A SAÍDA DO ESGOTAMENTO: A HISTÓRIA DE ELLIOT E AS REFLEXÕES DE JOSH COHEN PARA A “THE ECONOMIST”

14 janeiro, 2024

Por que, para quem se sente “esgotado”, simplesmente tentar relaxar nem sempre funciona

Em um mundo onde a produtividade é frequentemente considerada a métrica suprema do sucesso, a história de Elliot, um dedicado clínico geral, ecoa profundamente em nossas atitudes. Seu relato, detalhado por Josh Cohen na "The Economist", não é apenas a história de um indivíduo, mas o espelho de uma cultura obcecada por fazer mais, a qualquer custo.

O Caso de Elliot: Elliot, ao se conceder uma semana de folga, esperava descansar de seu exaustivo trabalho. No entanto, ele se viu preso em um turbilhão de atividades: visitas a museus, concertos, teatro, encontros sociais, idas à academia, aulas de espanhol, e até montagem de móveis. O que era para ser um período de descanso transformou-se em uma agenda lotada de compromissos, refletindo a incapacidade de "simplesmente não fazer nada".

A Cultura do "Sempre Fazer": Como Cohen aponta, estamos imersos em uma cultura que desdenha a inatividade. Elliot se via sob um constante autojulgamento, avaliando se estava sendo suficientemente produtivo. Esse ciclo de trabalho e autoexame constante não apenas o impedia de relaxar, mas também ampliava sua sensação de exaustão.

O Duplo Vínculo do Esgotamento: O esgotamento, como Cohen descreve, é uma mistura complexa de exaustão física e mental, acompanhada por uma compulsão de continuar, independentemente das consequências. Essa condição impede o indivíduo de desfrutar de atividades relaxantes, como dormir sem preocupações, tomar banhos prolongados, ou simplesmente desfrutar de uma conversa sem pressa.

Alternativas e Soluções: Cohen sugere que, para muitos, a solução pode estar em medidas mais práticas: reduzir a carga de trabalho, dedicar-se a práticas contemplativas como ioga e meditação, ou simplesmente ouvir e atender às necessidades internas em oposição às demandas externas.

A Complexidade do Esgotamento: Para casos mais graves, onde as raízes do esgotamento são profundamente psicológicas, Cohen vê valor na psicanálise. Através dela, pode-se explorar aspectos da história pessoal e características que tornam uma pessoa particularmente suscetível ao esgotamento.

Conclusão: A história de Elliot e as reflexões de Cohen sobre o esgotamento são um lembrete fundamental de que, em nossa busca por produtividade e sucesso, podemos estar negligenciando o aspecto mais fundamental de nossas vidas: o nosso bem-estar. A leitura da matéria é um convite à reflexão sobre nossas prioridades e um alerta à ação para reequilibrar nossas vidas, valorizando tanto o nosso tempo de descanso quanto nossos esforços produtivos.

Este texto “The way out of burnout” busca refletir sobre o problema do esgotamento na sociedade contemporânea, tomando como base a experiência pessoal de Elliot e as orientações refletivas de Josh Cohen.

Fonte: https://www.economist.com/1843/2016/07/28/the-way-out-of-burnout

 

O DIVÓRCIO, ESSA EXPERIÊNCIA PELA QUAL NINGUÉM SAI ILESO

5 janeiro, 2024

Quando falamos de divórcio, estamos nos referindo a algo muito mais do que um processo legal; é um percurso emocional complexo e profundamente pessoal. Cada pessoa vivencia esse momento de forma única, enfrentando dificuldades tanto nas relações com os outros quanto consigo mesma. Um passo crucial nesse caminho é aprender a redefinir o relacionamento com o ex-parceiro, o que pode ser um grande marco na adaptação a essa nova fase da vida.

Neste panorama, a Teoria do Apego, desenvolvida pelo psiquiatra John Bowlby, nos ajuda a entender melhor o que acontece conosco durante um divórcio. Essa teoria sugere que a maneira como nos ligamos emocionalmente a outras pessoas pode influenciar como lidamos com o fim de um relacionamento. Em especial, ela se concentra em dois aspectos: como reorganizamos nossos sentimentos de apego e como as nossas tendências pessoais, como a ansiedade e a necessidade de evitar conflitos, afetam esse processo.

Uma das partes mais complexas do divórcio é a mudança de um estado de compartilhamento da vida com alguém para um estado de independência. Nesse momento, entender quem somos (nosso autoconceito) e como encaixamos esta experiência na história da nossa vida (nossa coerência narrativa) é essencial. É sobre redescobrir nossa identidade e encontrar uma forma de integrar a experiência do divórcio em nossa narrativa pessoal, o que pode ser chave para uma adaptação saudável.

Neste sentido, a clareza do autoconceito e a coerência narrativa são fundamentais no processo de adaptação após uma separação. Elas ajudam os indivíduos a redefinirem suas identidades, a entenderem suas histórias de vida, e a avançarem com uma sensação de propósito e autoconhecimento. Enquanto o caminho para alcançá-las pode ser desafiador, ele é também profundamente enriquecedor e essencial para o crescimento pessoal após um divórcio.

Neste processo, dois padrões desadaptativos também podem ser ativados e que deverão ser foco de cuidado, ou seja, muitas pessoas experimentam ansiedade intensa ou uma tendência a evitar enfrentar seus sentimentos durante o divórcio.

No caso da ansiedade de apego, ela é caracterizada por uma preocupação excessiva com a rejeição e abandono. Sendo que, os indivíduos com alta ansiedade de apego, frequentemente, buscam aprovação e reafirmação em seus relacionamentos. E no divórcio, pode-se intensificar o sentimento de perda e medo de estar sozinho e levar a uma luta contínua para manter o vínculo com o ex-parceiro. Outro agravante é a manifestação de comportamentos obsessivos ou preocupação excessiva com o ex-parceiro. Nestes casos, a terapia e apoio social são cruciais para gerenciar a ansiedade. Aprender a reconhecer e questionar pensamentos e crenças disfuncionais também é benéfico.

Em relação a evitação de apego, essa se manifesta como um distanciamento emocional dos outros. Indivíduos com alta evitação de apego muitas vezes valorizam a independência e têm dificuldade em confiar e se abrir para os outros. Esse padrão de comportamento ativado no divórcio, leva a supressão emocional, ou seja, tendem a suprimir ou negar seus sentimentos, o que pode atrasar o processo de luto. Também pode levar ao isolamento social e resistir ao apoio dos outros. O outro agravante, é a dificuldade em formar novas relações, e podem ter problemas para estabelecer novos relacionamentos íntimos após o divórcio. A solução para modelagem funcional desse padrão é o gerenciamento, ou seja, reconhecer a importância da conexão emocional e praticar vulnerabilidade em um ambiente seguro, como na terapia, esse recurso pode ajudar a diminuir a evitação.

Assim, gerenciar essas emoções numa separação não é fácil, mas é possível. Para aqueles que lutam com a ansiedade, buscar apoio em amigos, família ou profissionais pode ser de grande ajuda. Já para quem tende a evitar seus sentimentos, aprender a se abrir e se conectar emocionalmente com os outros, talvez até em um ambiente terapêutico, pode ser muito benéfico.

Desta maneira, compreender como a ansiedade e a evitação afetam nossa experiência do divórcio é crucial. Esses insights não apenas facilitam a transição, mas também podem levar a um crescimento pessoal mais profundo e a relações futuras mais saudáveis. É importante lembrar que buscar apoio profissional e social adequado pode ser fundamental para percorrer por essas experiências de rupturas tão complexas.

O divórcio desencadeia um complexo processo de adaptação emocional, influenciado tanto por processos normativos quanto por diferenças individuais. Esta jornada envolve uma reavaliação das percepções e crenças sobre a experiência da separação, facilitando a criação de novos significados e a adaptação cognitiva.

Portanto, o divórcio não é apenas o fim de um capítulo, mas o início de um processo de autodescoberta e crescimento pessoal. As interações entre as dimensões interpessoais e intrapessoais, enquadradas pela Teoria do Apego, abrem caminho para uma compreensão mais profunda. Olhando para o futuro, é essencial explorar ainda mais estas dinâmicas, visando um melhor suporte e estratégias de adaptação para aqueles que enfrentam as dificuldades oriundas de um divórcio.

Observação: Este artigo visa oferecer uma compreensão mais clara do que acontece emocionalmente durante um divórcio, com base na Teoria do Apego. Ele destaca a importância de entender nosso próprio comportamento e emoções neste momento desafiador, proporcionando estratégias práticas para lidar com a ansiedade e a evitação. O objetivo é ajudar as pessoas a se adaptarem a essa nova fase da vida de uma maneira saudável e positiva.

Fonte: Sbarra DA, Borelli JL. Attachment reorganization following divorce: normative processes and individual differences. Curr Opin Psychol. 2019 Feb;25:71-75. doi: 10.1016/j.copsyc.2018.03.008. Epub 2018 Mar 21. PMID: 29605735; PMCID: PMC6150851.

 

PROGRAMA DE MODULAÇÃO DO DOMÍNIO ATENCIONAL - AIXTENT

11 novembro, 2023

A atenção é um componente crucial do funcionamento cognitivo, e seu papel na vida cotidiana é inegável. Para aqueles que enfrentam dificuldades específicas, como indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas não só esses, pois todos os transtornos e lesões afetam de algum modo o domínio atencional desenvolver abordagens de modulação tornam-se imperativos. É nesse contexto que surge o programa de modulação de atenção AixTent, uma ferramenta computadorizada baseada em estudos clínicos sólidos.

O Entendimento da Complexidade da Atenção:

O AixTent foi concebido com base em pesquisas que apontam para a complexidade da atenção, indicando que diferentes aspectos desse processo podem ser abordados seletivamente.

A Estrutura do Programa:

O AixTent compreende procedimentos de treinamento específicos como jogos simples de computador, adaptativos ao nível de dificuldade do participante. Este aspecto é crucial, pois permite a personalização do treinamento de acordo com o desempenho individual. O programa abrange quatro componentes distintos da atenção: alerta, vigilância, atenção seletiva e atenção dividida.

Treinamento Específico para Necessidades Individuais:

No âmbito do estudo, crianças com TDAH foram alocadas para a intervenção da AixTent, focando em treinamentos de vigilância, atenção seletiva e atenção dividida. Essa abordagem abrangente foi adotada, uma vez que a análise comparativa do desempenho dessas crianças em relação aos dados normativos indicou deficiências em pelo menos duas dessas funções.

Cada sessão de treinamento consiste em 15 minutos dedicados a cada uma das funções de atenção. Os procedimentos específicos utilizados foram "FLIESSBAND" para vigilância, "FOTO" para atenção seletiva e "COCKPIT" para atenção dividida. A adaptabilidade do programa se manifesta por meio da progressão ou regressão automática nos níveis de dificuldade, com base no desempenho do participante.

Resultados e Eficácia Comprovada:

Os fundamentos do AixTent foram estabelecidos em estudos anteriores que demonstraram sua eficácia em pacientes com lesões cerebrais unilaterais de origem vascular (Sturm et al., 1994, 2001). A ausência de treinamento de alerta se justifica pela falta de diferenciação significativa entre crianças e adultos com TDAH e participantes saudáveis ​​em termos de alerta tônico ou fásico (Tucha et al., 2006a, b, c, 2008, 2009).

Olhando para o Futuro da Pesquisa:

É importante notar que, neste estágio, o programa AixTent não inclui um treinamento de flexibilidade (mudança do foco de atenção), devido à falta de um procedimento de treinamento adequado e com eficácia comprovada. Este destaque aponta para a constante evolução e pesquisa na busca por abordagens cada vez mais abrangentes.

Em resumo, o programa de modulação de atenção AixTent surge como uma ferramenta alternativa na promoção de treinamento personalizado para pessoas com prejuízos no domínio atencional, destacando a importância de abordagens específicas e adaptáveis ​​na busca por melhorias significativas na atenção e cognição.

Limitações para clínica e as adaptações e Alternativas:

Mesmo com avanços importantes em pesquisa, o programa ainda não está disponível para comercialização na prática clínica. O que encontramos disponíveis são adaptações possíveis, com base nos princípios metodológicos de intervenção, que abrangem desde a dosagem terapêutica até os critérios teóricos da modulação cognitiva no domínio atencional. Uma alternativa comercializada no Brasil, que compartilha princípios teóricos semelhantes, é o Pay Attention. Este cenário destaca a necessidade contínua de desenvolvimentos de produtos voltados para a prática clínica e a exploração de opções viáveis que consigam a assistir o paciente fora dos campos de pesquisa​​.

Fontes:

Tucha O, Tucha L, Kaumann G, König S, Lange KM, Stasik D, Streather Z, Engelschalk T, Lange KW. Training of attention functions in children with attention deficit hyperactivity disorder. Atten Defic Hyperact Disord. 2011 Sep;3(3):271-83. doi: 10.1007/s12402-011-0059-x. Epub 2011 May 20. PMID: 21597880; PMCID: PMC3158847.

Tucha O, Mecklinger L, Laufkoetter R, Klein HE, Walitza S, Lange KW. Methylphenidate-induced improvements of various measures of attention in adults with attention deficit hyperactivity disorder. J Neural Transm. 2006;113:1575–1592. doi: 10.1007/s00702-005-0437-7. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha O, Prell S, Mecklinger L, Bormann-Kischkel C, Kubber S, Linder M, Walitza S, Lange KW. Effects of methylphenidate on multiple components of attention in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psychopharmacology. 2006;185:315–326. doi: 10.1007/s00213-006-0318-2. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha O, Walitza S, Mecklinger L, Sontag TA, Kuebber S, Linder M, Lange KW. Attentional functioning in children with ADHD—predominantly hyperactive-impulsive type and children with ADHD—combined type. J Neural Transm. 2006;113:1943–1953. doi: 10.1007/s00702-006-0496-4. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha L, Tucha O, Laufkoetter R, Walitza S, Klein HE, Lange KW. Neuropsychological assessment of attention in adults with different subtypes of attention-deficit/hyperactivity disorder. J Neural Transm. 2008;115:269–278. doi: 10.1007/s00702-007-0836-z. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha L, Tucha O, Walitza S, Sontag TA, Laufkoetter R, Linder M, Lange KW. Vigilance and sustained attention in children and adults with ADHD. J Atten Disord. 2009;12:410–421. doi: 10.1177/1087054708315065. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

 

LIVRETO "IDENTIFICANDO E AVALIANDO UM PERFIL DE EVITAÇÃO DA DEMANDA PATOLÓGICA - EDP"

12 outubro, 2023

Recentemente, o TecnoNeuro realizou um trabalho fundamental para a comunidade de profissionais de saúde e educação no Brasil. Traduzimos e adaptamos o LIVRETO "IDENTIFICANDO E AVALIANDO UM PERFIL DE EVITAÇÃO DA DEMANDA PATOLÓGICA - EDP", uma ação crucial relacionada ao perfil de EDP, frequentemente associado a casos de autismo. Esta adaptação foi feita com o intuito de tornar o conteúdo mais acessível e compreensível para os profissionais da saúde brasileiros.

O livreto original, intitulado 'Identifying & Assessing a PDA profile – Practice Guidance', foi publicado pela PDA Society em janeiro de 2022 e reúne a prática profissional e a experiência de um grupo multidisciplinar de profissionais que trabalham no National Health Service - NHS e na prática privada inglesa.

Nosso objetivo de trazer essa adaptação é auxiliar profissionais de saúde e educação na avaliação de um perfil de EDP, permitindo que vocês possam distinguir a EDP de outras apresentações de especial evitação da demanda. Além disso, queremos fornecer apoio e orientação tanto para os indivíduos afetados quanto para suas famílias por meio do conhecimento.

Você pode baixar a versão em PDF deste material clicando AQUI e ter acesso a este recurso fundamental para aprimorar sua prática profissional.

Juntos, podemos fazer a diferença na vida das pessoas afetadas pela EDP e contribuir para uma sociedade com menos barreiras de acesso a saúde para as suas condições individualizadas. Agradecemos a PDA Society por seu trabalho de vanguarda teórica e clínica e estamos felizes em compartilhar essa orientação prática com os profissionais e indivíduos brasileiros afetados pela EDP.

Faça o download agora e comece a fazer a diferença! Se você tiver alguma dúvida ou quiser discutir esse tópico importante, não hesite em entrar em contato conosco. Estamos aqui para apoiar vocês com recursos de apoio para que você possa cuidar da saúde e bem-estar daqueles que mais precisam.

 

MÚSICA: UMA TERAPIA ADAPTATIVA E FUNCIONAL NA NEURORREABILITAÇÃO DE DOENÇAS RELACIONADAS AO ENVELHECIMENTO

1 outubro, 2023

Por Maria Ramim

No campo da neurorreabilitação, uma abordagem que ganhou destaque nos últimos anos é o uso da música como uma ferramenta terapêutica eficaz e adaptativa para pacientes que enfrentam condições clínicas relacionadas ao envelhecimento, como o Acidente Vascular Encefálico (AVE) e as demências. Este avanço está alinhado com as descobertas apresentadas no artigo de referência de Särkämö et al. publicado " Cognitive, emotional, and neural benefits of musical leisure activities in aging and neurological rehabilitation: A critical review".

De acordo com o artigo de Särkämö et al., a música é uma ferramenta terapêutica importante devido à sua capacidade de envolvimento de funções auditivas, cognitivas, motoras e emocionais nas regiões corticais e subcorticais do cérebro. Além disso, o processamento de estímulos musicais  é relativamente preservado durante o processo de envelhecimento e nas fases iniciais das demências, tornando-a um aliado no fortalecimento de habilidades na reabilitação de doenças neurológicas associadas ao envelhecimento, como o AVE e a doença de Alzheimer.

Um dos principais benefícios destacados pelo estudo é que a música pode ser uma ferramenta terapêutica agradável e eficaz no cuidado diário dos pacientes. Além das sessões formais de musicoterapia, as atividades de lazer musical, como ouvir música e cantar, podem ser realizadas pelos pacientes individualmente ou com o auxílio de um cuidador. Essas atividades não apenas modulam as funções cognitivas associadas ao processamento sensorial de um estímulos com conteúdo de codificação implícita, mas também promovem o bem-estar psicológico durante o processo de envelhecimento e reabilitação neurológica.

A importância desse enfoque baseado na música é ainda mais significativa à medida que a população envelhece e a incidência e prevalência de condições neurológicas relacionadas ao envelhecimento aumentam rapidamente. A música fornece uma forma não invasiva e agradável de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, ajudando a mitigar os sintomas associados a essas condições, como déficits cognitivos, depressão e ansiedade.

Além disso, a música pode ser personalizada para atender às necessidades individuais de cada paciente. Isso significa que as escolhas musicais podem ser adaptadas com base nas preferências e no histórico musical de cada pessoa, tornando o tratamento mais eficaz e envolvente.

Em resumo, o estudo de Särkämö et al. destaca a música como uma ferramenta promissora na neurorreabilitação de doenças neurológicas relacionadas ao envelhecimento. À medida que continuamos a enfrentar as dificuldades atreladas ao envelhecimento da população e o aumento nas incidências dessas condições, é fundamental que exploremos e aproveitemos o poder da música para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos pacientes. A música não é apenas uma terapia, mas também uma fonte de alegria e conexão para aqueles que enfrentam desafios neurológicos, oferecendo esperança e alívio em sua jornada de reabilitação. A música ameniza as barreiras pessoais e mitiga algumas incapacidades na execução de tarefas e restrições na participação.

Fonte: Särkämö T. Cognitive, emotional, and neural benefits of musical leisure activities in aging and neurological rehabilitation: A critical review. Ann Phys Rehabil Med. 2018 Nov;61(6):414-418. doi: 10.1016/j.rehab.2017.03.006. Epub 2017 Apr 29. PMID: 28461128.

 

REPENSANDO O EXCESSO DE DIAGNÓSTICO DUPLO NA SAÚDE MENTAL

1 outubro, 2023

A necessidade de se fazer uma crítica ao excesso de diagnósticos duplos nos transtornos neuropsiquiátricos e neurológicos é uma preocupação que merece nossa atenção. No campo da saúde mental, muitas vezes nos deparamos com agrupamentos de sintomas que fazem interseção com outros transtornos clínicos, levando à emissão de diagnósticos duplos que podem, muitas vezes, ser equivocados. Esse cenário, apesar de fundamentado em trabalhos publicados, carece de uma análise crítica mais aprofundada.

É crucial compreender que a comorbidade clínica, embora exista, é rara e geralmente associada a quadros graves. O que observamos, entretanto, é uma tendência alarmante dos profissionais de saúde em rotular pacientes com diagnósticos duplos de forma casual, sem considerar adequadamente a semiologia das doenças. Esse problema está relacionado, em parte, à falta de preparo na leitura crítica de artigos científicos, uma habilidade essencial para uma prática clínica responsável, mas que muitas vezes é negligenciada na formação dos estudantes da área da saúde.

Uma solução para enfrentar esse desafio é promover o incentivo à leitura crítica de artigos científicos desde a formação acadêmica. Recomendamos o livro "Medicina Baseada em Evidências: Seguindo os Passos de Sherlock Holmes" de Jorgen Nordenstrom, como um guia acessível para aprender a analisar trabalhos científicos de forma crítica.

Um exemplo do problema em questão é o excesso de diagnósticos duplos associados ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), muitas vezes em conjunto com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Deficiência Intelectual (DI). Essas associações, quando examinadas de forma mais aprofundada, parecem casuais e até mesmo estranhas.

Por exemplo, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é definido pelo DSM-V por meio de obsessões e compulsões. As obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens repetitivas, indesejadas e intrusivas que geralmente causam ansiedade ou angústia. As compulsões são atos mentais repetitivos ou evidentes que visam prevenir ou reduzir a ansiedade ou angústia. No entanto, já testemunhamos clínicos diagnosticando TEA como TOC devido a comportamentos repetitivos, ou confundindo as compulsões com Transtornos de Humor (TH). Consequentemente, é essencial considerar que esses sintomas não são exclusivos do TOC, e há pelo menos 14 outros transtornos comuns a esses critérios, como o Transtorno Dismórfico Corporal, a Tricotilomania, a Ansiedade Generalizada, os Transtornos Depressivos e de Dependência, entre outros, conforme o próprio DSM-5 nos alerta.

Portanto, é urgente que estabeleçamos uma abordagem mais precisa na definição de distúrbios clínicos, baseada em níveis cognitivos, fisiológicos, moleculares e genéticos, em vez de depender exclusivamente da fenotipagem. O National Institute of Mental Health (NIMH) divulgou seus próprios Critérios de Domínio de Pesquisa, conhecidos como RDoC, com base nessa visão. Uma abordagem promissora para esclarecer a neurobiologia dos transtornos psiquiátricos é identificar estruturas internas entre os agentes causadores de baixo nível e as manifestações fenotípicas, conhecidas como endofenótipos.

Um endofenótipo deve possuir várias características, como associação com a doença, hereditariedade e presença em familiares não afetados com maior frequência do que na população em geral. Essa abordagem pode ajudar a evitar diagnósticos duplos imprecisos e contribuir para uma prática clínica mais embasada em evidências com melhor grau de recomendações para o diagnóstico.

Em resumo, a revisão crítica dos diagnósticos duplos é um passo crucial para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde mental. Devemos promover a formação adequada dos profissionais de saúde, cultivar a leitura crítica de artigos científicos e adotar uma abordagem mais fundamentada em evidências, focando em características cognitivas, fisiológicas e genéticas para uma compreensão mais precisa dos transtornos neuropsiquiátricos e neurológicos. Só assim poderemos proporcionar um tratamento mais eficaz e individualizado para aqueles que mais precisam.

 

A LINGUAGEM É UMA FERRAMENTA TERAPÊUTICA

30 setembro, 2023

Hoje, desejo compartilhar com todos vocês duas ponderações, inspiradas em duas dimensões estruturantes da linguagem. A linguagem, meu caro público, é mais que um mero instrumento de comunicação, ela é um alicerce terapêutico, uma essência revitalizante e uma carruagem para a expansão de nossa percepção.

Por exemplo, ao imergir na eloquência do monólogo de Riobaldo em "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa, somos remetidos à profunda capacidade da linguagem em arquitetar a harmonia afetiva. Riobaldo, nosso protagonista, apesar de seus próprios abismos e monstros interiores ao dar voz a suas vivências e sentimentos vai decifrando-se e reconciliando-se com o seu mundo intrínseco.

Essa revelação sublinha que, por vezes, o simples ato de externalizar nossos temores, traumas e angústias pode ser uma terapia em si. A linguagem nos concede o poder de dar forma a nossas experiências, compreendê-las por meio do processo linguístico e encontrar resoluções como um feedback mental, em que a realidade se refaz em imagens mentais. Ela, a palavra, é a própria argamassa que cimenta nossa reconciliação com o eu.

A linguagem transcende sua utilidade de modelagem emocional, transformando-se em um portal de ampliação da percepção. Equipara-se, em certo sentido, a um alucinógeno mental, possibilitando uma imersão profunda em múltiplas camadas de significado e compreensão. A literatura, vasta em exemplos dessas influências, conduz-nos por viagens transcendentais. Cada parágrafo lido por nossos olhos nos altera irremediavelmente. A literatura é apenas um exemplo, pois o mesmo ocorre em nossas interações verbais com variados interlocutores.

Nossos canais perceptivos se desdobram, acolhendo novas ideias, perspectivas e um vasto leque de emoções. A linguagem, seja por meio de nossas interações sociais ou pela arte, como a literatura, nos desafia a explorar as complexidades da condição humana e enxergar o mundo sob prismas diferentes. A expansão da percepção proporcionada pela linguagem é uma dádiva a todos nós, independentemente de nossa ocupação ou área de atuação, podemos nos render e usufruir.

Portanto, a palavra é o escudo que nos protege e a ponte que nos leva ao vasto território das experiências humanas.

 

MODULAÇÃO DA FUNÇÃO COGNITIVA: O PAPEL DA REABILITAÇÃO COGNITIVA

7 setembro, 2023

A cognição humana, em sua intrincada e imponente natureza, frequentemente se mostra suscetível a perturbações, que podem ser originadas tanto por lesões, como um Acidente Vascular Encefálico - AVE, quanto por disfunções relacionadas ao neurodesenvolvimento. Nesses cenários de abalo do funcionamento adaptativo cerebral, a Reabilitação Cognitiva (RC) emerge como uma modalidade terapêutica que percorre minuciosamente o trajeto da modulação funcional e adaptativa das capacidades cognitivas. 


Numa analogia muito rudimentar, o cérebro pode ser equiparado a um computador de alta complexidade, sujeito, no entanto, a "bugs" que interferem nos processos de raciocínio, memória e em outros domínios cognitivos. Nesses casos de disfunções ou lesões que afetam a cognição, a RC desempenha o papel de um habilidoso programador, dedicado a eliminar tais obstáculos com precisão cirúrgica, restaurando e/ou compensando o funcionamento adaptativo e funcional do aparato cognitivo. Ela realiza tal façanha por meio de métodos, técnicas, tarefas e estímulos altamente especializados, os quais reconfiguram o padrão funcional num viés positivo de neuroplasticidade (aprendizagem), otimizando-o para um desempenho mais eficiente, funcional e adaptativo. 


O processo de reabilitação cognitiva é, por si só, um artefato intrincado de modulação da cognição. Sua instauração inicia-se com uma meticulosa avaliação conduzida por um terapeuta especializado, que identifica as áreas da cognição afetadas e a extensão de seu impacto na vida do indivíduo. Por exemplo, um paciente com dificuldades de retenção de informações será submetido a um plano terapêutico desenhado especificamente para modular os processos de memória, seguindo rigorosamente a hierarquia do processamento de informações, a teria motora da cognição e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), visando garantir uma codificação eficaz para subsequente recuperação e reconhecimento. No estágio inicial, as tarefas prescritas são relativamente simples, porém, à medida que o indivíduo progride, são apresentados desafios progressivamente mais complexos. 


No âmbito da RC, destacam-se dois enfoques primordiais: a reabilitação restaurativa, que busca recuperar funções cognitivas perdidas por meio de recursos cognitivos altamente especializados, e a reabilitação compensatória, que auxilia o indivíduo a desenvolver estratégias que contornem suas limitações, frequentemente fazendo uso de tecnologias assistivas. 


Convém notar que a RC não se revela como uma panaceia instantânea, mas sim como um processo que demanda tempo, paciência e prática, assemelhando-se, por analogia, ao treinamento de um atleta de elite preparando-se para uma competição olímpica. No entanto, diversas narrativas de êxito clínico testemunham sua eficácia, resgatando habilidades que, a princípio, pareciam irremediavelmente perdidas. 


A eficácia da RC constitui um tema de controvérsia científica, com estudos oscilando entre resultados positivos e perspectivas divergentes, variando conforme a natureza da lesão cerebral e a condição específica do paciente. Contudo, quando aplicada com rigor metodológico, a RC possui o potencial de engendrar um impacto substancial na recuperação e no aprimoramento das capacidades cognitivas. 


A concepção moderna da RC remonta às teorias de Luria, que postulou que a recuperação funcional ocorre por meio do estabelecimento de novas conexões, adquiridas durante exercícios de modelagem cognitiva (neuroplasticidade positiva). Atualmente, a RC engloba uma abordagem pautada na minuciosa avaliação das funções cognitivas, no estabelecimento de metas terapêuticas e na aplicação de tarefas específicas voltadas para a otimização da função cognitiva. 


Em síntese, a reabilitação cognitiva se erige como uma luz-guia para aqueles que enfrentam desafios cognitivos. À medida que esse campo prossegue seu desenvolvimento e aprimoramento, novas descobertas e abordagens estão delineando diretrizes clínicas que exploram o potencial inexplorado da cognição humana. Nesse esforço conjunto entre terapeutas e pacientes, a RC assume um papel de destaque como ferramenta crucial para modificar a intricada natureza da cognição humana e resgatar a funcionalidade cognitiva que outrora parecia perdida de forma irremediável. 

 

Fontes:  

Samuel R. Cognitive rehabilitation for reversible and progressive brain injury. Indian J Psychiatry. 2008 Oct;50(4):282-4. doi: 10.4103/0019-5545.44752. PMID: 19823615; PMCID: PMC275514 

Hrabok, M., Kerns, K.A. (2011). Cognitive Rehabilitation. In: Kreutzer, J.S., DeLuca, J., Caplan, B. (eds) Encyclopedia of Clinical Neuropsychology. Springer, New York, NY. https://doi.org/10.1007/978-0-387-79948-3_1085 

 

DIAGNÓSTICO COMÓRBIDO ENTRE TEA E TDAH: DO QUE ESTAMOS FALANDO?

5 setembro, 2023

“Os déficits de atenção são fenótipos comportamentais chave de um número considerável de doenças neurológicas e genéticas caracterizadas por transtornos psiquiátricos complexos. Será que o erro reside em confundir tais déficits com os traços de atenção únicos e muito diferentes do autismo? Em outras palavras, as características de atenção dos transtornos são ignoradas através de uma generalização errônea?”

“As atenções observadas no TEA são intrínsecas a esse transtorno e não podem ser simplesmente atribuídas ao TDAH comórbido!”

Por Maria Ramim

Uma análise aprofundada do artigo "ASD and ADHD Comorbidity: What Are We Talking About?" publicado em 2022 na Frontiers Psychiatry revela questões prementes no campo da saúde mental: o diagnóstico duplo incorreto de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Este equívoco, embora frequente, não considera as notáveis diferenças que existem entre esses dois distúrbios clínicos.

É incontestável que há uma sobreposição de sintomas entre TEA e TDAH, incluindo até mesmo a disfunção sensorial, que, apesar de não ser o foco do artigo em questão quanto a argumentação, tem sido objeto de estudos independentes. No entanto, compartilhar alguns sintomas não justifica uma conclusão precipitada de diagnóstico duplo. Como o senso comum nos lembra, "nem tudo que tem bigode é gato", mas nem sempre isso se aplica a prática clínica, infelizmente.

Os estudos que indicam altas prevalências de comorbidade entre esses distúrbios podem, em parte, ser influenciados por um "preconceito" teórico pouco fundamentado, que abriga uma variedade de paradigmas experimentais que podem estar medindo diferentes fenômenos. De qualquer forma, o autismo e o TDAH têm características distintas e, também, sobrepostas em quatro domínios neurocognitivos: processamento de atenção, monitoramento de desempenho, processamento facial e processamento sensorial.

No entanto, é crucial destacar que as especificidades das atenções observadas no TEA são intrínsecas a esse transtorno e não podem ser simplesmente atribuídas ao TDAH comórbido. Por exemplo, no TEA, a atenção sustentada e seletiva é notavelmente mais intensa, assim como a busca visual, embora esta última reflita mais a qualidade do processamento perceptivo do que a atenção em si. Além disso, a capacidade de direcionar a atenção para estímulos sociais é deficiente em pacientes com TEA.

A atenção conjunta, uma habilidade social importante, também parece estar ausente em indivíduos com TEA, contribuindo para dificuldades na comunicação social. A disfunção amigdalar desempenha um papel fundamental na interação entre processamento sensorial e atenção no TEA, modulando como os eventos emocionais são percebidos. Portanto, entender os mecanismos neurais por trás das atenções é essencial para uma avaliação precisa.

Além disso, a hiper-reatividade sensorial, característica do TEA, está associada a uma atenção superseletiva e superfocada, comportamentos perseverantes e estereotipados, e excelentes capacidades de memória, mas também a déficits sociais significativos. Essa atenção excessiva, mas estereotipada, pode ser confundida com desatenção típica do TDAH.

A agitação psicomotora no TEA, por sua vez, parece relacionar-se a sistemas de excitação atípicos e à hiperatividade dopaminérgica, com efeitos diferentes dos observados no TDAH. Essas complexidades neurocognitivas desafiam a generalização simplista de diagnóstico duplo.

Ao abordar a atenção, o TDAH tende a refletir dificuldades em detectar pistas que permitiriam a antecipação, enquanto o TEA está mais diretamente relacionado a uma capacidade perceptiva elevada e orientação menos flexível para novos estímulos. A inibição prejudicada, característica fisiopatológica central do TDAH, não foi estudada em pacientes com TEA, indicando uma diferença fundamental entre os dois transtornos.

A motivação também desempenha um papel crucial na atenção conjunta no TEA, e a avaliação precoce desses processos pode ser vital para o diagnóstico diferencial.

Em resumo, embora o TEA e o TDAH compartilhem alguns sintomas, suas especificidades de atenção e as complexidades neurocognitivas que as acompanham não podem ser subestimadas. Portanto, o diagnóstico de comorbidade deve ser abordado com extrema cautela, levando em consideração uma análise abrangente do quadro clínico. A complexidade envolvida na diferenciação entre TEA e TDAH enfatiza a urgência de desenvolver instrumentos clínicos e eletrofisiológicos mais refinados, a fim de realizar avaliações neuropsicológicas mais precisas. Isso é essencial para evitar a prática de rotular tantos gatos simplesmente com base em seus bigodes.

Em vez de uma abordagem simplista, devemos adotar uma visão mais ampla e crítica, considerando os múltiplos aspectos que diferenciam esses transtornos e explorando as nuances que a pesquisa científica continua a revelar. Afinal, não podemos permitir que a sobreposição de sintomas obscureça a singularidade e a complexidade dessas condições.

Fonte: Hours C, Recasens C, Baleyte JM. ASD and ADHD Comorbidity: What Are We Talking About? Front Psychiatry. 2022 Feb 28;13:837424. doi: 10.3389/fpsyt.2022.837424. PMID: 35295773; PMCID: PMC8918663

 

DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM – DEL DE TIPO COMPENSADO: DISCUSSÃO DE QUADRO CLÍNICO

3 setembro, 2023

A aprendizagem de uma criança pode ser afetada por diversos fatores, e é importante considerar tanto as características intrínsecas da criança quanto o ambiente ao seu redor. No caso de crianças com Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) de tipo compensado, várias influências podem estar contribuindo para suas dificuldades acadêmicas e emocionais.

Primeiramente, é essencial destacar que crianças com DEL de tipo compensado enfrentam desafios específicos no desempenho educacional. O DEL é um distúrbio linguístico heterogêneo que afeta a compreensão e expressão da linguagem. No caso do DEL de tipo compensado, as crianças possuem a habilidade de implementar estratégias para mitigar os impactos de suas dificuldades linguísticas, tornando os déficits menos evidentes em termos de manifestações clínicas.

É importante esclarecer o conceito de "tipo compensado," que se refere à capacidade das crianças de lidar de forma adaptativa com suas dificuldades linguísticas. No entanto, essa compensação pode não ser suficiente para superar todos os obstáculos, e é aqui que os desafios surgem.

Pesquisas indicam que crianças com DEL de tipo compensado frequentemente enfrentam desafios na consciência pragmática, que envolve a interpretação eficiente do conteúdo pragmático da linguagem. Isso pode levar a sobrecarga de recursos cognitivos e demanda excessiva de memória, afetando o desempenho acadêmico.

Além disso, essas crianças também podem apresentar dificuldades na compreensão de leitura, especialmente no que diz respeito ao vocabulário receptivo e à compreensão de histórias. Essas limitações linguísticas podem ser atenuadas por um vocabulário sólido de tipo expressivo, mas ainda podem se refletir em sua capacidade de produzir frases faladas de forma ágil e flexível.

No contexto do DEL de tipo compensado, as dificuldades em associar os sons das palavras com suas representações escritas podem levar a problemas na expressão oral. No entanto, é importante ressalvar mais uma vez que o vocabulário oral/expressivo dessas crianças pode ser preservado, indicando que elas podem estar compensando suas dificuldades de forma verbal, mas enfrentam desafios na compreensão e produção escrita.

Essas dificuldades linguísticas não se limitam ao aspecto acadêmico; elas têm repercussões na esfera emocional das crianças. Muitas vezes, crianças com DEL de tipo compensado podem desenvolver transtornos emocionais ainda mais graves, como ansiedade generalizada e estados depressivos, devido à tentativa de compensar suas dificuldades linguísticas de forma disfuncional, sobrecarregando o sistema emocional.

É comum que essas crianças enfrentem desafios na regulação emocional e comportamental, e suas ansiedades e inseguranças são sintomas dessas dificuldades emocionais relacionadas à linguagem.

Para abordar eficazmente as dificuldades das crianças com DEL de tipo compensado, é crucial adotar uma abordagem multidisciplinar. Isso inclui intervenções específicas para melhorar a consciência fonêmica e o vocabulário receptivo, juntamente com suporte emocional para lidar com a ansiedade e a insegurança. Somente assim essas crianças poderão superar as barreiras pessoais e ambientais que afetam seu desempenho escolar e emocional.

Em resumo, o DEL de tipo compensado é um desafio complexo que afeta não apenas a linguagem, mas também a emocionalidade das crianças. Com uma abordagem integrada e apoio adequado, podemos amenizar as barreiras dessas crianças quanto ao potencial acadêmico e emocional.

Fontes:

Badcock, N. A., Bishop, D. V. M., Hardiman, M. J., Barry, J. G., & Watkins, K. E. (2012). Co-localisation of abnormal brain structure and function in specific language impairment. Brain and Language, 120(3), 310–320. https://doi.org/10.1016/j.bandl.2011.10.006

Castaño, J. (2003). [Neurobiological bases of language and its disorders]. Revista de Neurologia, 36(8), 781–785. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12717659

Cohen NJ, Barwick MA, Horodezky NB, Vallance DD, Im N. Language, achievement, and cognitive processing in psychiatrically disturbed children with previously identified and unsuspected language impairments. Journal of Child Psychology and Psychiatry and Allied Disciplines 1998;39(6):865-877.

Cohen NJ, Menna R, Vallance DD, Barwick MA, Im N, Horodezky NB. Language, social cognitive processing, and behavioral characteristics of psychiatrically disturbed children with previously identified and unsuspected language impairments. Journal of Child Psychology and Psychiatry and Allied Disciplines 1998;39(6):853-864.

Denckla MB. Biological correlates of learning and attention: What is relevant to learning disability and attention-deficit hyperactivity disorder? Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics 1996;17(2):114-119.

Gainotti, G. (2016). Lower- and higher-level models of right hemisphere language. A selective survey. Functional Neurology. https://doi.org/10.11138/FNeur/2016.31.2.067

Girbau-Massana D, Garcia-Marti G, Marti-Bonmati L, Schwartz RG. Gray-white matter and cerebrospinal fluid volume differences in children with Specific Language Impairment and/or Reading Disability. Neuropsychologia. 2014 Apr;56:90-100. doi: 10.1016/j.neuropsychologia.2014.01.004. Epub 2014 Jan 11. PMID: 24418156.

Griffiths CC. Pragmatic abilities in adults with and without dyslexia: a pilot study. Dyslexia. 2007 Nov;13(4):276-96. doi: 10.1002/dys.333. PMID: 17624909.

Korman, B., Bernal, B., Duchowny, M., Jayakar, P., Altman, N., Garaycoa, G., Resnick, T., & Rey, G. (2010). Atypical Propositional Language Organization in Prenatal and Early-Acquired Temporal Lobe Lesions. Journal of Child Neurology, 25(8), 985–993. https://doi.org/10.1177/0883073809357242

Kurth, F., Luders, E., Pigdon, L., Conti-Ramsden, G., Reilly, S., & Morgan, A. T. (2018). Altered gray matter volumes in language-associated regions in children with developmental language disorder and speech sound disorder. Developmental Psychobiology, 60(7), 814–824. https://doi.org/10.1002/dev.21762

Lawrence, R. J., Wiggins, I. M., Hodgson, J. C., & Hartley, D. E. H. (2021). Evaluating cortical responses to speech in children: A functional near-infrared spectroscopy (fNIRS) study. Hearing Research, 401, 108155. https://doi.org/10.1016/j.heares.2020.108155

Marshall CR, Ramus F, van der Lely H. Do children with dyslexia and/or specific language impairment compensate for place assimilation? Insight into phonological grammar and representations. Cogn Neuropsychol. 2011 Oct;27(7):563-86. doi: 10.1080/02643294.2011.588693. Epub 2011 Jun 30. PMID: 21714754.

Ors, M., Ryding, E., Lindgren, M., Gustafsson, P., Blennow, G., & Rosén, I. (2005). Spect Findings in Children with Specific Language Impairment. Cortex, 41(3), 316–326. https://doi.org/10.1016/S0010-9452(08)70269-7

Soriano-Mas, C., Pujol, J., Ortiz, H., Deus, J., López-Sala, A., & Sans, A. (2009). Age-related brain structural alterations in children with specific language impairment. Human Brain Mapping, 30(5), 1626–1636. https://doi.org/10.1002/hbm.20620

Wiseheart R, Altmann LJP. Spoken sentence production in college students with dyslexia: working memory and vocabulary effects. Int J Lang Commun Disord. 2018 Mar;53(2):355-369. doi: 10.1111/1460-6984.12353. Epub 2017 Nov 21. PMID: 29159849.

Zadina JN, Corey DM, Casbergue RM, Lemen LC, Rouse JC, Knaus TA, Foundas AL. Lobar asymmetries in subtypes of dyslexic and control subjects. J Child Neurol. 2006 Nov;21(11):922-31. doi: 10.1177/08830738060210110201. PMID: 17092456.

 

A REABILITAÇÃO COGNITIVA É UM IMPORTANTE RECURSO DE MANEJO CLÍNICO NA DEMÊNCIA LEVE A MODERADA

31 agosto, 2023

Quando a memória começa a se desvanecer e a execução de tarefas diárias se transforma em desafios, a demência leva a uma série de barreiras pessoais e ambientais para o paciente e seus familiares. No entanto, entre outras diversas estratégias terapêuticas importantes, a Reabilitação Cognitiva é uma abordagem que oferece auxílio às pessoas que enfrentam demência leve a moderada, permitindo que enfrentem essas dificuldades de maneira mais autônoma e funcional.

A metodologia de hoje é altamente personalizada, iniciando com uma minuciosa avaliação das capacidades cognitivas individuais, seguida pelo estabelecimento de metas específicas. A partir daí, tarefas são projetadas para intervir nas incapacidades identificadas. Duas abordagens principais se destacam: a primeira visa restaurar habilidades perdidas, enquanto a segunda concentra-se em desenvolver alternativas para lidar com os desafios, por meio de recursos ou estratégias compensatórias.

A Reabilitação Cognitiva provou ter um impacto positivo substancial em pacientes com demência leve a moderada, auxiliando-os a alcançar metas pessoais, fortalecendo a confiança e simplificando a gestão das atividades cotidianas. Vale notar que os benefícios se estendem além dos pacientes: os cuidadores também experimentam uma melhora na qualidade de vida, resultado dos efeitos clínicos da Reabilitação Cognitiva na rotina dos pacientes.

Resumindo, a Reabilitação Cognitiva oferece um suporte clínico importante para pessoas com demência leve a moderada, quando integrada às atividades diárias e instrumentais. 

Fonte: Kudlicka A, Martyr A, Bahar-Fuchs A, Sabates J, Woods B, Clare L. Cognitive rehabilitation for people with mild to moderate dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2023 Jun 29;6(6):CD013388. doi: 10.1002/14651858.CD013388.pub2. PMID: 37389428; PMCID: PMC10310315.

 

TECNONEURO NOTÍCIAS: DIAGNÓSTICO TARDIO DO AUTISMO EM MULHERES: ROMPENDO BARREIRAS PARA UMA SAÚDE ADEQUADA

30 agosto, 2023

Por Maria Ramim

No complexo cenário do Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma preocupante disparidade vem à tona: o diagnóstico tardio e negligência no manejo clínico das mulheres afetadas por essa condição. O estudo de  Bargiela et. al. (2016) “The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions: An Investigation of the Female Autism Phenotype” , focado nas experiências de 14 mulheres jovens com TEA, expôs as dificuldades que elas enfrentam em busca de um diagnóstico preciso e nas estratégias que desenvolvem para se ajustarem a um mundo que muitas vezes parece não entender suas necessidades.

Os quatro principais temas que emergiram desse estudo de julgamentos estereotipados heteropercebidos e autopercebidos quanto ao sofrimento dessas mulheres foram: "Você não é autista", "Fingir ser normal", "Passivo para assertivo" e "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA" são reveladores de uma luta diária que muitas mulheres com autismo enfrentam, e destacam a necessidade urgente de uma mudança no paradigma de diagnóstico e tratamento.

O primeiro tema, "Você não é autista", expõe as barreiras significativas que as mulheres enfrentam ao buscar um diagnóstico. Muitas vezes, elas são mal compreendidas ou até mesmo ignoradas por profissionais de saúde. A falta de conhecimento sobre como o autismo pode se manifestar de forma diferente em mulheres, combinada com estereótipos ultrapassados, frequentemente leva a diagnósticos equivocados, como depressão ou ansiedade.

O segundo tema, "Fingir ser normal", revela uma estratégia de adaptação adotada por muitas mulheres com TEA para se encaixarem socialmente. Esse mascaramento de traços autistas é frequentemente desgastante e pode levar à perda de identidade e ao isolamento emocional.

O terceiro tema, "Passivo para assertivo", destaca as dificuldades que as mulheres com autismo enfrentam em relacionamentos devido a uma tendência percebida de passividade. Essa submissão pode levar a situações prejudiciais, e muitas mulheres, com o tempo, aprendem a se tornar mais assertivas, desenvolvendo habilidades para identificar manipulação e estabelecer limites saudáveis.

O último tema, "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA", explora como as expectativas sociais baseadas em estereótipos de gênero afetam as mulheres com TEA. Elas frequentemente enfrentam o desafio de se encaixar em papéis tradicionais, enquanto também buscam expressar sua identidade única. Plataformas online fornecem um espaço valioso para compartilhar experiências e estabelecer conexões com outras mulheres com autismo.

Abaixo o detalhamento feitos pelos autores do estudos desses 4 principais temas emergidos dessas 14 mulheres com TEA:

  •  "Você não é autista":

1. Muitas mulheres jovens com TEA relataram dificuldades para obter um diagnóstico autista, sendo frequentemente ignoradas ou mal compreendidas por profissionais de saúde.

2. Barreiras comuns para o diagnóstico incluíam o desconhecimento de como o autismo se manifesta em mulheres, estereótipos equivocados e a crença de que elas não podiam ser autistas devido a habilidades sociais superficiais.

3. Profissionais de saúde, professores e outros também frequentemente diagnosticavam erroneamente problemas diferentes, como depressão, ansiedade ou transtorno de personalidade múltipla, em vez de TEA.

  •  "Fingir ser normal":

1.Muitas mulheres jovens adotaram estratégias de "mascarar" ou imitar comportamentos neurotípicos para se adaptarem socialmente.

2.Essas estratégias incluíram o uso de uma "máscara" social, imitação de comportamentos e aprendizado de expressões faciais e linguagem corporal de fontes de mídia.

3.O mascaramento frequentemente resultou em exaustão, perda de identidade e dificuldade em reconhecer seus próprios sentimentos.

  • "Passivo para assertivo":

1.Muitas mulheres relataram experiências de vitimização e dificuldades em relacionamentos devido a sua passividade percebida.

2. Alguns participantes se sentiam pressionados a agradar aos outros, evitar conflitos e ceder a demandas indesejadas.

3. Com o tempo, várias mulheres se tornaram mais assertivas e desenvolveram habilidades para identificar manipulação e situações prejudiciais.

  •  "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA":

1. As mulheres jovens enfrentaram expectativas sociais baseadas em estereótipos de gênero, muitas vezes tentando se adequar a papéis tradicionais, mas também rejeitando-os.

2. A formação de amizades foi desafiadora devido à dificuldade em entender as interações sociais e ao conflito entre as amizades masculinas e femininas.

3. Plataformas online forneceram um espaço para criar amizades e compartilhar experiências com outras mulheres com TEA.

4. A identidade muitas vezes foi moldada por interesses especiais, que proporcionaram um senso de propósito, realização e uma forma alternativa de definir a si mesmas.

Além desses temas, os resultados do estudo também enfocam a camuflagem – a prática de imitar comportamentos neurotípicos para se ajustar socialmente. Esse esforço muitas vezes exaustivo para ser "normal" foi um traço marcante nas experiências das participantes. O estudo revelou que essa camuflagem é frequentemente autodidata e inconsciente, destacando a complexidade dessa estratégia de adaptação.

As conclusões da pesquisa também revelaram um diagnóstico tardio como uma preocupação central. A camuflagem, juntamente com características específicas do autismo feminino, contribui para diagnósticos equivocados ou negligência por parte dos profissionais de saúde. Essa falha tem um impacto significativo na saúde mental das mulheres afetadas, exacerbando problemas como a ansiedade.

Apesar dos desafios, o estudo também destacou o impacto positivo que um diagnóstico tardio pode ter. A maioria das participantes sentiu um senso de pertencimento e compreensão após receberem o diagnóstico, contrastando com o estigma negativo que muitas vezes prevalece na ausência de diagnóstico.

Abaixo as 10 características essenciais do TEA feminino, elencadas no estudo:

  • Camuflagem e esforços para ser "normal": Muitas participantes relataram camuflar seus traços autistas, adotando comportamentos sociais "neurotípicos". Isso envolve esforços conscientes para aprender habilidades sociais e comportar-se de maneira mais típica. Esses esforços foram frequentemente descritos como "colocar uma máscara".
  • Autodidatismo para camuflagem: O desenvolvimento dessas personas neurotípicas exigiu aprendizado contínuo e autodidata, incluindo observação cuidadosa, leitura de psicologia, imitação de personagens fictícios e aprendizado por tentativa e erro em situações sociais.
  • Elementos inconscientes de camuflagem: Algumas mulheres copiavam comportamentos sociais sem perceber que estavam imitando, ressaltando a complexidade da camuflagem.
  • Desvantagens da camuflagem: A camuflagem estava associada a exaustão, confusão sobre identidade pessoal e problemas nas relações interpessoais devido a uma priorização excessiva da adaptação.
  • Pressões de gênero e papéis tradicionais: Algumas participantes sentiram conflito entre a pressão para se conformar a papéis de gênero tradicionais e o desejo de aceitar sua identidade autista.
  • Dificuldades na interação com pares femininos: A dificuldade de comunicação social autista dificultava a participação em grupos de pares femininos, considerados mais sutis e menos tolerantes a erros.
  • Identidade de gênero: Embora ninguém no estudo discordasse do gênero atribuído ao nascimento, o conflito entre identidade feminina e autista sugeria uma possível influência nas taxas elevadas de disforia de gênero.
  • Diagnóstico tardio: O estudo destacou o preconceito contra o diagnóstico de TEA feminino, indicando que a camuflagem e características específicas do fenótipo feminino contribuem para diagnósticos tardios ou negligência.
  • Desafios de saúde mental: Mulheres com TEA geralmente enfrentavam problemas de saúde mental, como ansiedade, destacando a importância do diagnóstico para o acesso a apoio adequado.
  • Impacto positivo do diagnóstico: A maioria das participantes considerou o diagnóstico tardio como benéfico, proporcionando um senso de pertencimento e compreensão, embora a falta de diagnóstico tenha resultado em rotulagem negativa.

Em última análise, esse estudo importante para a aplicação clínica destaca a necessidade urgente de uma abordagem mais sensível e informada sobre gênero no diagnóstico e manejo do TEA. Profissionais de saúde devem ser capacitados para reconhecer as nuances do autismo feminino e oferecer intervenções adequadas. Romper as barreiras que impedem um diagnóstico e tratamento adequados é essencial para garantir a saúde e o bem-estar de mulheres com autismo, permitindo que elas alcancem todo o seu potencial funcional e adaptativo.

Fonte: Bargiela S, Steward R, Mandy W. The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions: An Investigation of the Female Autism Phenotype. J Autism Dev Disord. 2016 Oct;46(10):3281-94. doi: 10.1007/s10803-016-2872-8. PMID: 27457364; PMCID: PMC5040731.

 

TECNONEURO NOTÍCIAS – A NEURORREABILITAÇÃO COGNITIVA PARA PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA

29 agosto, 2023

A esquizofrenia é uma doença mental complexa que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Um recente artigo saído do forno e intitulado "Cognitive Rehabilitation for Patients with Schizophrenia: A Narrative Review of Moderating Factors, Strategies, and Outcomes" apresenta dados sobre a neurorreabilitação cognitiva para pacientes que enfrentam os desafios dessa condição. A pesquisa destaca fatores cruciais que influenciam os resultados positivos, estratégias eficazes e as mais recentes evidências em relação aos tratamentos.

Conduzido por Skokou et al. e publicado no periódico "Advances in Experimental Medicine and Biology" em 2023, o estudo fornece uma visão abrangente sobre a reabilitação cognitiva na esquizofrenia, oferecendo informações fundamentais para profissionais de saúde que trabalham com pacientes afetados por essa condição complexa.

O estudo identificou diversos fatores que contribuem para resultados favoráveis na neurorreabilitação cognitiva em pacientes com esquizofrenia. Estes incluem a idade jovem, a fase inicial da doença, o controle dos sintomas de hostilidade e desorganização conceitual, a ausência de sintomas negativos, o manejo dos efeitos colaterais dos medicamentos e a reserva cognitiva e cortical. Além disso, a pesquisa destaca que certos tratamentos medicamentosos, como antipsicóticos atípicos, clozapina, aripiprazol, memantina, modafinil, d-serina e cicloserina, podem ter efeitos pro-cognitivos, trazendo efeitos clínicos positivos para pacientes e sendo um recurso clínico importante para profissionais de saúde.

O estudo também explora o impacto do polimorfismo Val/Val do gene COMT, que parece estar associado a um pior prognóstico para os pacientes. Isso ressalta a importância de considerar fatores genéticos individuais ao desenvolver abordagens de neurorreabilitação.

Em termos de estratégias práticas, diversos modelos de intervenções têm mostrado eficácia na neurorreabilitação cognitiva de pacientes com esquizofrenia. Programas como a Terapia de Aprimoramento Cognitivo (CET), o Treinamento de Adaptação Cognitiva (CAT) e o Software de Terapia Cognitiva RehaCom são mencionados como exemplos. Esses programas utilizam uma variedade de técnicas que vão desde métodos tradicionais com papel e lápis até abordagens assistidas por computador, proporcionando uma ampla gama de opções para personalizar os tratamentos de acordo com as necessidades individuais dos pacientes.

Um aspecto fundamental ressaltado pelo estudo é que os sintomas cognitivos da esquizofrenia estão diretamente ligados ao comprometimento funcional dos pacientes. Portanto, as estratégias de neurorreabilitação cognitiva continuam sendo uma abordagem terapêutica vital, uma vez que são as únicas capazes de promover melhorias cognitivas para pacientes que enfrentam dificuldades em sua recuperação.

Em um panorama onde a esquizofrenia continua a desafiar pacientes, familiares e profissionais de saúde, a pesquisa proporciona critérios norteadores, destacando que avanços significativos estão sendo feitos na neurorreabilitação cognitiva. A colaboração entre a pesquisa científica e a prática clínica desempenha um papel crucial na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com esquizofrenia, fornecendo esperança e oportunidades reais de recuperação.

Fonte: Skokou M, Messinis L, Nasios G, Gourzis P, Dardiotis E. Cognitive Rehabilitation for Patients with Schizophrenia: A Narrative Review of Moderating Factors, Strategies, and Outcomes. Adv Exp Med Biol. 2023;1423:193-199. doi: 10.1007/978-3-031-31978-5_17. PMID: 37525044.

 

NEURORREABILITAÇÃO COGNITIVA PÓS-TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO LEVE: ABORDAGENS E PROGRAMAS

28 agosto, 2023

O traumatismo cranioencefálico leve (TCE leve) é caracterizado por lesões na cabeça com perda de consciência de até 30 minutos, amnésia pós-traumática e alteração de consciência por até 24 horas, sem evidências visíveis em exames. Recentemente, a atenção para o TCE leve cresceu, devido a lesões esportivas, acidentes e de combate amplamente divulgadas. Contudo, muitos casos passam despercebidos, levando a sintomas não reconhecidos e deficiências crônicas, como déficits de atenção, dores de cabeça, fadiga, estresse pós-traumático e problemas no funcionamento executivo.

Aproximadamente 70% dos casos de lesão cerebral traumática são considerados TCE leve e frequentemente são diagnosticados com base nas queixas do indivíduo, sem evidências objetivas após a lesão. Os sintomas do TCE leve podem ser confundidos com outros estressores, como dor, estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.

Muitos indivíduos relatam sintomas cognitivos, físicos e psicológicos meses ou anos após o TCE leve, incluindo comprometimento do funcionamento executivo, afetando a atenção, memória, organização e planejamento. Isso pode impactar negativamente a capacidade de manter um emprego devido aos déficits no funcionamento executivo.

A conscientização das sequelas cognitivas de longo prazo do TCE leve levou ao desenvolvimento de protocolos de treinamento e reabilitação cognitiva. Diversos programas foram criados com foco na melhoria das funções cognitivas e adaptando-se às demandas diárias e funcionais do indivíduo. Alguns desses programas incluem:

1. Treinamento de Memória Estratégica e Raciocínio (SMART):

O treinamento SMART utiliza abordagens estratégicas de cima para baixo para aprimorar o controle cognitivo, como atenção estratégica, raciocínio integrativo e inovação. Seu foco é alcançar funcionalidade adaptativa nas áreas de educação e trabalho, direcionando-se para modular os domínios de atenção e funções executivas. Descobriu-se que o SMART melhora funções executivas, como raciocínio, inibição e habilidades do dia a dia.

2. Treinamento de Gerenciamento de Metas (GMT):

O GMT emprega estratégias metacognitivas para melhorar a capacidade dos pacientes de definir e atingir metas em situações da vida real. O objetivo é alcançar funcionalidade adaptativa em educação e organização de tarefas, com foco na modulação dos domínios de metacognição e funções executivas. Observou-se melhoria na função executiva cognitiva autorelatada na vida diária e melhor desempenho em tarefas que requerem atenção.

3. Terapia de Reabilitação Cognitiva (TRC):

A TRC tem como objetivo permitir que pacientes voltem, dentro do possível, a uma vida normal, por meio da reconstrução ou compensação de funções perdidas. Concentra-se na funcionalidade adaptativa em autoconsciência, com foco na modulação dos domínios de atenção e autocontrole. Embora tenha efeitos ao longo da terapia, não se observou transferência significativa de capacidade para a vida diária.

4. Gerenciamento de Sintomas Cognitivos e Terapia de Reabilitação (CogSMART):

O CogSMART é uma intervenção de treinamento cognitivo compensatório multimodal, enfatizando o aprendizado de hábitos e estratégias compensatórias na memória prospectiva, atenção, aprendizado, memória e funções executivas. Seu foco é a funcionalidade adaptativa em educação (aprendizado) e hábitos, com o objetivo de modular vários domínios cognitivos. Houve reduções significativas nos sintomas pós-concussivos autorrelatados e melhorias na qualidade de vida, memória prospectiva no mundo real e funcionamento diário.

5. Treinamento de Estratégia Cognitiva (CST):

O CST visa ensinar estratégias individuais que permitam aos pacientes contornar seus déficits cognitivos. Concentra-se na funcionalidade adaptativa em educação, estratégias de estilo de vida e rotina, com modulação dos domínios de memória, atenção e funções executivas. A CST mostrou utilidade percebida de estratégias de compensação cognitiva, redução da depressão e melhoria na satisfação com a vida.

6. Treinamento Cognitivo Compensatório:

Este treinamento é realizado em grupo, com apresentações didáticas interativas, discussões em sala de aula e atividades práticas. Ele visa melhorar habilidades de gerenciamento de tempo, organização, memória e atenção. Observou-se que os participantes enfrentaram menos dificuldades cognitivas e de memória após esse treinamento, além de um maior uso de estratégias cognitivas. Também facilitou mudanças comportamentais e melhorias subjetivas/objetivas em domínios cognitivos específicos.

7. Autorregulação da Atenção Orientada a Objetivos (OBJETIVOS):

O programa OBJETIVOS é um treinamento de reabilitação cognitiva que foca nas funções de controle executivo, ensinando estratégias de regulação da atenção e gerenciamento de metas baseadas na atenção plena. Ele visa a funcionalidade adaptativa nas áreas de habilidades e objetivos em ambientes da vida real, modulando os domínios de atenção, memória e funções executivas. As melhorias obtidas através deste programa se estendem para a cognição, regulação emocional e funcionamento diário.

8. Treinamento de Atenção:

O treinamento de atenção engloba desde tarefas simples, como o uso de flashcards, até atividades mais complexas para aprimorar a atenção complexa e a memória de trabalho. As evidências indicam melhorias significativas nas habilidades de atenção, incluindo atenção focada, sustentada, seletiva, alternada e dividida, bem como na memória.

9. Treinamento de Comunicação Funcional/Cognitiva:

Esse programa é voltado para a reabilitação da comunicação, permitindo que os pacientes pratiquem suas habilidades em situações contextuais relevantes para suas vidas. O foco é alcançar funcionalidade adaptativa nas áreas de audição, fala, escrita, leitura, conversação e interação social. Embora não seja um programa completo, enfatiza a importância de medir resultados significativos para a pessoa no contexto da participação social.

10. Programas Específicos para Retorno ao Trabalho (RTW):

As intervenções cognitivas do programa RTW visam aprimorar a memória, reduzir sintomas pós-concussivos e melhorar o funcionamento neuropsicológico. Estratégias cognitivas compensatórias, especialmente aquelas apoiadas por dispositivos de suporte, demonstraram ser mais eficazes para facilitar o retorno ao trabalho e a integração comunitária após o traumatismo cranioencefálico.

11. Técnicas Baseadas em Tecnologia: Realidade Virtual (RV), Treinamento com Inteligência Artificial (AIVTS) e Programas Computadorizados:

Logo, os resultados gerais indicam melhorias não apenas nas áreas moduladas, mas também em áreas não diretamente moduladas. Desta forma, a modulação cognitiva pode resultar em aprimoramentos funcionais. Além disso, ressalta-se a importância dos padrões de desempenho, hábitos e rotinas, assim como a necessidade de medir resultados significativos para a pessoa no contexto social. Enfatiza-se que o TCE leve é uma condição crônica, suas sequelas cognitivas podem piorar sem intervenções adequadas ao longo do tempo.

Fonte: Vas A, Luedtke A, Ortiz E, Mackie N, Gonzalez S. Cognitive Rehabilitation: Mild Traumatic Brain Injury and Relevance of OTPF. Occup Ther Int. 2023 May 29;2023:8135592. doi: 10.1155/2023/8135592. PMID: 37283959; PMCID: PMC10241584.

 

TITÂNIO: UMA METÁFORA PARA A FLEXIBILIDADE COGNITIVA E INTELIGÊNCIA NA DESCIDA ÀS PROFUNDEZAS DO TITANIC

28 junho, 2023

Quando falamos de inteligência e flexibilidade cognitiva, o Titânio nos oferece estimadas lições. A inteligência é a capacidade de adaptação, e a flexibilidade cognitiva é um domínio fundamental para alcançarmos um bom funcionamento adaptativo.

Ao ler sobre a trágica história da cápsula Titan, que tentou descer a 4 mil metros de profundidade no norte do Atlântico, deparei-me com a explicação do Professor Eric Fusil, da Escola de Engenharia Elétrica e Mecânica da Universidade de Adelaide, na Austrália. A explicação dele sobre os materiais com os quais foram feitos a capsula nos ajuda a compreender a importância dos conceitos de inteligência e flexibilidade cognitiva no âmbito humano.

Imagine-se como um submarino (a cápsula) mergulhando a uma profundidade de 4 mil metros. Essa descida e subsequente subida exigem que você tenha alta flexibilidade para se adaptar rapidamente às mudanças de pressão desses dois processos. Isso é inteligência: a capacidade de aprender com a experiência e se adaptar, moldar e selecionar ambientes. Consequentemente, para expressar essa capacidade em sua plenitude, é necessária a flexibilidade cognitiva.

Desta forma, a flexibilidade cognitiva é a capacidade de mudar de perspectivas e pensar de maneira não convencional. Ela nos permite ver as coisas de ângulos diferentes e compreender o ponto de vista de outras pessoas. Para isso, é necessário inibir perspectivas anteriores e ativar novas perspectivas em nossa memória operacional (projeção mental). A flexibilidade cognitiva também envolve a habilidade de encontrar novas abordagens para resolver problemas e considerar estratégias não previamente exploradas. Além disso, ser flexível cognitivamente implica em adaptar-se a novas demandas, reconhecer erros e aproveitar oportunidades inesperadas. É uma habilidade valiosa que nos permite explorar novas possibilidades e lidar de forma eficaz com as mudanças. Logo, há uma sobreposição significativa entre flexibilidade cognitiva e criatividade, troca de tarefas e mudança de cenário. Enfim, a flexibilidade cognitiva é o oposto da rigidez. E, ressalvando que, resistente não quer dizer rígido, pelo contrário.

Agora, voltando à analogia, ao sermos a cápsula, somos submetidos a pressões incrivelmente altas, equivalentes ao peso da Torre Eiffel, com dezenas de milhares de toneladas nos comprimindo. Nesse caso, nosso comportamento deve funcionar como um invólucro de titânio resistente, capaz de suportar as enormes pressões esperadas a 4 mil metros de profundidade, onde os destroços do Titanic estão localizados.

Por que o titânio, nessa relação, pode ser comparado ao que se espera de nós em termos de inteligência e flexibilidade cognitiva? A resposta é simples: o titânio é elástico e capaz de suportar uma ampla gama de tensões sem deixar tensões permanentes mensuráveis após retornar à pressão atmosférica. Ele se contrai para acomodar as forças de pressão e se expande novamente quando essas forças são aliviadas. Isso é exatamente o que se espera de comportamentos inteligentes e flexíveis.

É interessante notar que uma das hipóteses levantadas pelo professor em relação à tragédia nas profundezas do mar foi a composição da cápsula, feita de uma combinação de titânio e composto de fibra de carbono. Ao contrário do titânio, a fibra de carbono é muito mais rígida e não possui a mesma elasticidade. Essa diferença na composição dos materiais nos leva a refletir sobre a importância da flexibilidade cognitiva em nossa vida.

Portanto, assim como ocorre com o titânio descendo à altas profundidades e retornando é importante nos adaptarmos diante das pressões da vida para enfrentar os desafios e adversidades que encontramos em nosso caminho.

#InteligênciaCognitiva #FlexibilidadeMental #AprendendoComOTitânio #Neuropsicologia #CuidandoDaMente

Fontes:

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c84wxxrnmryo

Sternberg RJ. Intelligence. Dialogues Clin Neurosci. 2012 Mar;14(1):19-27. doi: 10.31887/DCNS.2012.14.1/rsternberg. PMID: 22577301; PMCID: PMC3341646.

Diamond A. Executive functions. Annu Rev Psychol. 2013;64:135-68. doi: 10.1146/annurev-psych-113011-143750. Epub 2012 Sep 27. PMID: 23020641; PMCID: PMC4084861.

 

DISCUSSÃO CLÍNICA SOBRE O DIAGNÓSTICO TARDIO DE AUTISMO NO SEXO XX

19 junho, 2023

Ontem me parei com uma republicação da @dra.mirellase a partir da publicação de @pauloliberalesso, que traz à tona um debate fundamental sobre o diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em mulheres e adolescentes do sexo feminino. O médico questionou o uso do termo "leve" no diagnóstico tardio de TEA da paciente citada, aos 17 anos, apesar das dificuldades que ela enfrentava desde os 8 anos, conforme relatado. É certo que essas dificuldades já estão presentes antes dessa idade. Entretanto, no início de sua adolescência, quando as sociais ansiosas ficaram a ficar mais complexas e a rede de apoio mais escassa, iniciaram-se aos 12 anos a busca por tratamento e receberam os diagnósticos de desatenção e depressão. No entanto, sem resposta clínica, a condição só se agravava,

Desta forma, gostaria de ampliar o debate importante e divergir que o problema levantado pelo médico não reside no grau "leve" do autismo, mas sim na falta de um diagnóstico adequado no momento apropriado.

Os termos "leve", "moderado" ou "grave" referem-se apenas ao nível de suporte necessário quanto ao funcionamento adaptativo por parte do indivíduo, com base na premissa da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS. No entanto, esses termos não refletem em sua classificação os efeitos adversos do TEA, como são conhecidas co-ocorrências que podem ser profundamente prejudiciais, tanto para os indivíduos dependentes, quanto para o seu contexto, especialmente, quando existe falta de tratamento para o quadro, como foi o caso do paciente citado pelo médico.

A desatenção associada ao TEA muitas vezes é confundida com outros transtornos, como o TDAH, apesar de a literatura científica indicar que a comorbidade entre eles é mínima e numa análise ampliada apresentarem características diagnósticas distintas. O que ocorre frequentemente são erros de diagnóstico. De fato, a desatenção no TEA é resultado de falhas sensoriais nos canais visual, auditivo e sinestésico, bem como nos sistemas proprioceptivo e vestibular (lembrem-se que podem ser hiper-receptivos, hipo-receptivos e/ou mistos), afetando a atenção compartilhada, atenção conjunta e motivação social.

É importante ressaltar que a mera identificação e compartilhamento de sintomas não constituem um diagnóstico. Deve-se considerar o quadro clínico por meio de um diagnóstico diferencial, análise comparativa - pensamento analógico e pensamento crítico (pensamento de ordem superior) direcionado ao diagnóstico, permitindo-nos ir além das diretrizes e acompanhar as atualizações da literatura científica, que são tão necessárias.

A motivação desempenhou um papel crucial nos sentimentos subjacentes à atenção conjunta no TEA. A medição dos processos de atenção conjunta, da regulação visual e do desengajamento atencional desde tenra idade pode ajudar no diagnóstico e consequentemente, na intervenção precoce. Estudos demonstram que a motivação modula a regulação visual em relação à atenção conjunta e que o desengajamento atencional também está relacionado a ela.

Infelizmente, é esperado que provoquem co-ocorrências como depressão, ansiedade e tentativas de suicídio no contexto do TEA, em especial na ausência de tratamento, e a literatura científica explica as razões por trás desses quadros ao diagnóstico tardio associados. Histórias como a da paciente desse médico são comuns em ansiosos que lidam com a avaliação de TEA tardio, especialmente em relação às mulheres.

O diagnóstico na idade adulta passou a ser reconhecido como uma questão clínica importante devido ao aumento da conscientização sobre o autismo, à introdução dos critérios diagnósticos e à compreensão do espectro autista. Isso levou à identificação de uma geração de pessoas que antes eram excluídas de um diagnóstico de autismo clássico. Entretanto, muitos clínicos ainda estão míopes sobre essas mudanças.

Ao avaliar e diferenciar diagnósticos, é fundamental considerar comorbidades reais, comportamentos sobrepostos a outros transtornos psiquiátricos e diferenças no fenótipo feminino. As mulheres e meninas autistas apresentam perfis de sintomas distintos em áreas como interação social, comunicação padrões restritos e repetitivos de comportamento e interesses.

No entanto, erros nos diagnósticos anteriores de meninas e mulheres com TEA são uma questão preocupante e preocupante. Frequentemente, essas mulheres desenvolvem estratégias de "camuflagem" para esconder suas dificuldades e se adaptar às normas sociais. Isso pode levar a diagnósticos equivocados, uma vez que os sinais típicos do autismo podem ser menos claros nelas.

Além disso, as ferramentas de diagnóstico existentes, incluindo as consideradas como padrão ouro, como a Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R) e Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS-2), bem como escalas autoperceptivas e heteroperceptivas, podem não ser suficientes pessoas para identificar o autismo em mulheres. Essas ferramentas foram desenvolvidas sem levar em consideração as diferenças de sexo, o que pode resultar na subestimação dos sintomas e na exclusão de mulheres autistas.

É crucial que os profissionais de saúde e os investigadores estejam cientes das diferenças clínicas de sexo e sejam sensíveis às manifestações únicas do autismo em mulheres. Isso permitirá um diagnóstico precoce e preciso, garantindo que as mulheres com autismo recebam o apoio e tratamento adequado.

A conscientização sobre as características fenotípicas distintas do autismo no sexo feminino está crescendo, e é necessário que essa compreensão se reflita na prática clínica e nas diretrizes de diagnóstico. A identificação correta das mulheres autistas é crucial para que elas possam acessar os serviços e intervenções necessárias, além de ajudá-las a compreender a si mesmas e encontrar apoio em suas jornadas.

É importante destacar mais uma vez que o problema não está no grau de severidade do TEA, mas sim na ausência de um diagnóstico adequado no momento certo. O diagnóstico tardio pode resultar em sofrimento prolongado, dificuldades emocionais e até mesmo tentativas de suicídio, como mencionado no relato do médico. Portanto, é fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos aos sinais de autismo em todas as idades e em ambos os sexos, a fim de garantir que ninguém seja deixado para trás sem o suporte adequado.

A ciência continua a avançar e a nos fornecer uma compreensão mais profunda do autismo, incluindo suas manifestações específicas em mulheres e adolescentes do sexo feminino. À medida que essa compreensão se expande, é nosso dever como profissionais de saúde e pesquisadores atualizar nossas práticas e diretrizes de diagnóstico para garantir que ninguém seja negligenciado ou diagnosticado erroneamente.

Para alcançar isso, é necessário um esforço conjunto de profissionais de saúde, pesquisadores, educadores e sociedade em geral. Devemos promover a educação e a conscientização sobre o autismo, especialmente no que se refere às suas características fenotípicas distintas em mulheres. Também é crucial desenvolver instrumentos de avaliação sensíveis ao sexo, que possam capturar adequadamente os sinais de autismo em mulheres e adolescentes do sexo feminino.

Além disso, é importante ouvir e valorizar as experiências daqueles que vivenciam o autismo em primeira mão, bem como de suas famílias. Suas histórias e perspectivas podem fornecer insights preciosos que nos ajudam a aprimorar nossas práticas e políticas em relação ao diagnóstico e tratamento do autismo.

Acredito firmemente que, com uma abordagem sensível ao sexo e uma maior conscientização, podemos garantir que todas as pessoas, independentemente de seu sexo, recebam o suporte e tratamento adequados desde cedo. Ninguém deve passar por décadas de dificuldades antes de receber um diagnóstico preciso e o apoio necessário.

Vamos trabalhar juntos para construir um futuro em que todas as pessoas com autismo, sejam elas mulheres, homens ou indivíduos de outros gêneros, tenham suas necessidades reconhecidas, sejam compreendidas e possam alcançar seu pleno potencial. Juntos, podemos garantir que ninguém seja deixado para trás no caminho em direção à redução de barreiras oriundas da neurodiversidade e em prol do bem-estar.

 #Autismo #Inclusão #DiagnósticoPrecoce

 

Referências:

Chen, Y. W., Bundy, A., Cordier, R., Chien, Y.-L., & Einfeld, S. (2015). Motivation for everyday social participation in cognitively able individuals with autism spectrum disorder. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 2699. https://doi.org/10.2147/NDT.S87844

Cola, M., Yankowitz, L. D., Tena, K., Russell, A., Bateman, L., Knox, A., Plate, S., Cubit, L. S., Zampella, C. J., Pandey, J., Schultz, R. T., & Parish-Morris, J. (2022). Friend matters: sex differences in social language during autism diagnostic interviews. Molecular Autism, 13(1), 5. https://doi.org/10.1186/s13229-021-00483-1

de Gaulmyn, A., Miljkovitch, R., & Montreuil, M. (2018). Étude clinique des processus sous-jacents de l’attention conjointe de très jeunes enfants avec trouble du spectre autistique. L’Encéphale, 44(3), 224–231. https://doi.org/10.1016/j.encep.2016.12.002

Harrop, C., Jones, D., Zheng, S., Nowell, S. W., Boyd, B. A., & Sasson, N. (2018). Sex differences in social attention in autism spectrum disorder. Autism Research, 11(9), 1264–1275. https://doi.org/10.1002/aur.1997

Kohls, G., Chevallier, C., Troiani, V., & Schultz, R. T. (2012). Social ‘wanting’ dysfunction in autism: neurobiological underpinnings and treatment implications. Journal of Neurodevelopmental Disorders, 4(1), 10. https://doi.org/10.1186/1866-1955-4-10

Lai, M.-C., & Baron-Cohen, S. (2015). Identifying the lost generation of adults with autism spectrum conditions. The Lancet. Psychiatry, 2(11), 1013–1027. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(15)00277-1

Libster, N., Knox, A., Engin, S., Geschwind, D., Parish-Morris, J., & Kasari, C. (2023). Sex differences in friendships and loneliness in autistic and non-autistic children across development. Molecular Autism, 14(1), 9. https://doi.org/10.1186/s13229-023-00542-9

Phillips, J. M., Uljarević, M., Schuck, R. K., Schapp, S., Solomon, E. M., Salzman, E., Allerhand, L., Libove, R. A., Frazier, T. W., & Hardan, A. Y. (2019). Development of the Stanford Social Dimensions Scale: initial validation in autism spectrum disorder and in neurotypicals. Molecular Autism, 10(1), 48. https://doi.org/10.1186/s13229-019-0298-9

Rynkiewicz, A., Janas-Kozik, M., & Słopień, A. (2019). Girls and women with autism. Psychiatria Polska, 53(4), 737–752. https://doi.org/10.12740/PP/OnlineFirst/95098

Sedgewick, F., Hill, V., Yates, R., Pickering, L., & Pellicano, E. (2016). Gender Differences in the Social Motivation and Friendship Experiences of Autistic and Non-autistic Adolescents. Journal of Autism and Developmental Disorders, 46(4), 1297–1306. https://doi.org/10.1007/s10803-015-2669-1

Young, H., Oreve, M.-J., & Speranza, M. (2018). Características clínicas e problemas no diagnóstico do transtorno do espectro do autismo em meninas. Archives de Pediatrie, 25(6), 399–403. https://doi.org/10.1016/j.arcped.2018.06.008

 

VOCÊ FAZ PARTE DA CHAMADA 'GERAÇÃO SANDUÍCHE'?

15 junho, 2023

Você já se sentiu sobrecarregado cuidando de seus filhos e de seus pais ao mesmo tempo? Se sim, você faz parte da chamada 'geração sanduíche', um termo usado pelos geógrafos para descrever aqueles que enfrentam o desafio de cuidar de crianças e parentes idosos ao mesmo tempo.

É uma tarefa que traz consigo um custo emocional e financeiro significativo. Muitas vezes, é necessário deixar o trabalho ou reduzir a carga horária para dar conta das necessidades dos pais idosos, dos filhos e de si mesmo. Essa responsabilidade demanda muito tempo e flexibilidade, que nem sempre são acomodados pela dinâmica social tradicional.

A maioria das pessoas da geração sanduíche têm mais de 40 anos e enfrentam desafios relacionados ao cuidado tanto das crianças quanto dos adultos mais velhos. Por exemplo, os serviços de cuidados infantis, como creches e escolas, sofrem com alta rotatividade de funcionários devido a baixos salários, e muitas vezes faltam profissionais qualificados. Isso leva os pais a pagar mais caro por esses serviços do que por moradia, enquanto a inflação piora ainda mais a situação.

Da mesma forma, o cuidado com os adultos mais velhos apresenta desafios semelhantes, principalmente quando a família não tem condições de arcar com o suporte profissional. Muitos filhos se veem responsáveis por cuidar integralmente de seus pais idosos em casa. Essa dinâmica exige compromisso emocional e financeiro, e, nesses casos, as mulheres costumam assumir a maior parte dessa responsabilidade, trabalhando fora de casa e dedicando em média 20 horas semanais ao cuidado não remunerado dos pais idosos.

As doenças crônicas frequentemente exigem cuidados contínuos, e cuidar de familiares mais velhos pode se tornar uma pressão financeira para muitos cuidadores familiares, chegando a representar 26% de sua renda em atividades de cuidado. Esse custo extra é apenas o que eles gastam pessoalmente, sem levar em conta o custo geral do atendimento. Um número significativo de pessoas presta cuidados não remunerados a amigos e familiares.

Não há dúvidas de que a crise no cuidado dos adultos mais velhos se tornará ainda mais grave à medida que a população envelhece. Os problemas enfrentados pela geração sanduíche atual serão, sem dúvida, os desafios dos adultos jovens de hoje. Portanto, é essencial que sejam implementadas políticas públicas de curto, médio e longo prazo para enfrentar essa questão.

Isso requer a revisão dos modelos salariais, o treinamento de pessoas para fornecer cuidados de saúde especializados aos adultos mais velhos com doenças crônicas, a implementação de medidas eficazes de controle de infecções e a criação de infraestrutura para o atendimento domiciliar.

Mesmo que você ainda não faça parte da geração sanduíche, é importante se antecipar, pois em algum momento você poderá vivenciar essa situação. Planeje o futuro e os desafios relacionados ao envelhecimento em conjunto com sua família. Algumas estratégias incluem:

Planejamento financeiro para cobrir os custos desse cuidado.

  • Rotatividade de membros da família para auxiliar no cuidado dos idosos, aliviando a carga sobre uma única pessoa. Gerencie e resolva problemas em equipe, em vez de criar novos obstáculos. Por exemplo, dividir responsabilidades, acompanhar consultas médicas, garantir alimentação adequada e organizar outros familiares dispostos a ajudar.
  • Evite que os idosos se sintam isolados, pois o cuidado está frequentemente ligado a doenças crônicas e à finitude da vida. Reconheça o quão comum é essa situação e o quanto pode ser desafiador. Embora não exista um sistema de atendimento ao idoso perfeito, reconhecer que isso é uma experiência compartilhada pode aliviar o peso.
 

O IMPACTO DO ESTRESSE AGUDO NA EXPECTATIVA DE VIDA: LIÇÕES DOS INSETOS

14 junho, 2023

Olá a todos! Hoje quero compartilhar com vocês uma pesquisa importante que foi destacada no The New York Times e publicada na revista PLOS Biology. Os pesquisadores Dr. Gendron e Scott Pletcher, biólogos da Universidade de Michigan, conduziram um estudo interessante sobre os efeitos do estresse agudo no envelhecimento em insetos.

A pesquisa teve como objetivo compreender como o cérebro de um animal transforma as experiências percebidas em reações físicas no corpo. Os cientistas escolheram moscas como seus sujeitos de estudo, pois elas são conhecidas por terem uma consciência profunda da morte.

As moscas foram expostas a cadáveres de moscas por dois dias, e os resultados foram surpreendentes. As moscas que testemunharam a morte de suas congêneres apresentaram alterações comportamentais e fisiológicas significativas. Elas foram evitadas por outras moscas, como se tivessem sido marcadas pela morte, e mostraram uma diminuição rápida na gordura armazenada. Além disso, essas moscas traumatizadas tiveram uma expectativa de vida mais curta em comparação com suas contrapartes não expostas ao estresse.

Através da dissecação das moscas expostas à morte, os pesquisadores observaram atividade no corpo elipsóide, uma região do cérebro responsável por integrar informações sensoriais. Essa descoberta sugere que o estresse agudo pode afetar diretamente o cérebro e desencadear respostas que levam a problemas de saúde e a uma expectativa de vida mais curta.

Embora o estudo tenha sido realizado em moscas, é importante considerar a possível relevância desses achados para os seres humanos. Como sabemos, o estresse crônico em humanos está associado a uma série de problemas de saúde e pode encurtar a expectativa de vida. Embora não possamos extrapolar diretamente esses resultados para nós mesmos, eles nos lembram da importância de cuidar de nossa saúde mental e encontrar maneiras de lidar com o estresse crônico e/ou agudo.

É crucial reconhecer que eventos traumáticos, como testemunhar a morte de alguém, podem ter um impacto profundo em nossos cérebros e em nossa saúde geral. A compreensão desses processos é um passo importante para ajudar os clínicos a desenvolverem estratégias que melhorem a qualidade de vida e a expectativa de vida em situações estressantes.

Se você sentir que o estresse está afetando negativamente sua vida a nível crônico e/ou agudo, não hesite em procurar suporte.

Referência:

Artigo no The New York Times: https://www.nytimes.com/2023/06/13/science/fruit-flies-death-aging.html

Estudo original: https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.3002149

 

OPINIÃO: DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL - O CUIDADO QUE FALTOU!

28 maio, 2023

Ser emocionalmente negligenciado pode ser uma experiência devastadora. Esse trauma não apenas pode afetar o senso de identidade do indivíduo, sua capacidade de confiar e construir relacionamentos saudáveis, mas também pode afetar as condições de saúde.

Quantas vezes nos deparamos com uma realidade dicotômica em que o desenvolvimento cognitivo, visto como apartado da emoção, recebe toda a atenção e os recursos necessários, enquanto o desenvolvimento emocional é negligenciado? É triste constatar que a sociedade muitas vezes prioriza o preparo das habilidades para o trabalho, mas esquece-se de oferecer suporte adequado para o crescimento emocional dos indivíduos.

A família, a escola e até mesmo os sistemas de proteção, como as leis e o Estado, estão direcionados ao cumprimento de metas voltadas para a formação de profissionais capacitados. No entanto, deixamos de lado a importância fundamental de promover um ambiente saudável para o desenvolvimento emocional. E é justamente na vida adulta que sentimos o impacto dessa discrepância, quando as exigências emocionais se tornam equânimes, apesar de termos sido preparados de forma desproporcional.

As consequências de curto prazo da negligência são alarmantes. Estudos revelam um aumento no risco de comportamentos de internalização e externalização, além de atrasos no desenvolvimento cognitivo não desacoplado do emocional. Quando uma criança percebe que está sendo negligenciada emocionalmente, ela tem duas vezes mais chances de desenvolver transtornos psiquiátricos aos 15 anos, incluindo o desenvolvimento de Depressão, Transtorno Bipolar, Ansiedade, Transtorno do Pânico, Fobias e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

Adolescentes que tiveram suas emoções negligenciadas na infância são mais propensos a ter baixo desempenho acadêmico, abuso de substâncias, atividade sexual de risco e tentativas de suicídio. Esses dados nos fazem refletir profundamente sobre as consequências que a falta de atenção ao desenvolvimento emocional pode acarretar em nossas vidas e na sociedade como um todo.

É hora de mudarmos essa realidade! É fundamental que a educação e a saúde emocional sejam prioridades desde cedo, integradas ao currículo escolar e oferecidas nos mais diversos contextos sociais. É necessário criar espaços de acolhimento, nos quais as pessoas possam expressar seus sentimentos e aprender a lidar com eles de forma saudável.

Vamos lembrar que somos seres complexos, e que tanto o desenvolvimento cognitivo quanto o emocional são essenciais para uma vida funcional/adaptada e saudável. Precisamos reconhecer que cuidar das nossas emoções é tão importante quanto desenvolver habilidades profissionais.

É necessário que a família, a escola e toda a sociedade se unam nesse propósito. Os pais devem estar atentos às emoções de seus filhos, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor para que eles possam expressar seus sentimentos sem medo de julgamento.

As escolas têm um papel fundamental nessa transformação. É imprescindível que incluam programas de educação emocional em seus currículos, proporcionando ferramentas e conhecimentos que ajudem os alunos a entenderem suas emoções, a lidarem com o estresse e a desenvolverem habilidades sociais.

Além disso, é importante que os sistemas de proteção, como os serviços de assistência social e de saúde, também estejam comprometidos em promover o desenvolvimento emocional. Devemos garantir que haja profissionais capacitados e recursos adequados disponíveis para auxiliar aqueles que estão enfrentando dificuldades emocionais.

Ao investirmos no desenvolvimento emocional, estamos investindo em pessoas mais resilientes, capazes de lidar com os desafios da vida de forma saudável e adaptadas as experiências dolorosas que os ciclos existenciais no impõem. Estamos construindo uma sociedade mais empática, onde a compreensão e o apoio mútuo são valorizados.

Não podemos mais negligenciar a importância do desenvolvimento emocional. Precisamos romper com a ideia de que apenas o intelecto é relevante e reconhecer que cuidar de nossas emoções é a base para uma vida plena e satisfatória.

Então, é primordial que tenhamos uma sociedade que valorize a integração entre o cognitivo e o emocional, reconhecendo que ambos são aspectos intrínsecos da nossa cognição e influenciam nossa forma de compreender o mundo e lidar com as situações desafiadoras e muitas delas inevitáveis no ciclo de uma existência.

 

A GAGUEIRA DE JOE BIDEN

7 fevereiro, 2023

Vamos falar de sistemas de compensações comportamentais eficientes para disfunções neurológicas e/ou neuropsiquiatrias

Hoje, Joe Biden fará o seu discurso anual no Congresso Americano direcionado especialmente para o seu povo. Verão uma fala fluente e ritmada, mas talvez o que muitos ignoram é que por trás desse discurso tem muita disciplina e técnicas implementadas para compensar a sua gagueira.

No dia 06/02/2023 o The New York Times publicou a matéria escrita por Katie Rogers  “Biden’s State of the Union Prep: No acronyms and Tricks to Conquer a Stutter”, que julguei muito instigante quanto ao relato de preparação do Presidente Americano para o discurso que ele fará hoje (07/02/2023) à nação e suas técnicas para amenizar os efeitos da sua gagueira.

Segundo a autora da matéria, Biden é o primeiro presidente moderno com gagueira, problema que ele enfrenta desde a infância e que aumenta em condições de fortes emoções.  

A reportagem traz um tom muito humano sobre um dos homens mais poderosos na arena política mundial para lidar com algo tão perturbador na comunicação para várias pessoas que passam por condição análoga.

Faço antes de continuar no tema um parêntese, para melhor entendimento do leitor no foco quanto a fundamentação sobre ser adaptado. É que atualmente, não uso nas minhas explanações o termo inclusão. Motivo? acho que ele trás no seu cerne o estigma da exclusão e não é propositivo no sentido de resolver os problemas que provocam as barreiras ambientais e pessoais, as limitações para a execução de atividades de vida diária e instrumentais em seu sentido mais amplo, bem as restrições de participação e o aspecto estrutural de uma deficiência quanto a função e estrutura do corpo. Portanto, hoje em dia sugiro reportar a Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde – CIF para se referir a ações para tornar a vida dessas pessoas mais funcionais e adaptativas e evitar o termo inclusão que em nada inclui sem tirar as barreiras e incapacidades que vivem pessoas com algum tipo de deficiência.

Então, voltando ao tema, antes de um discurso, Biden faz vários treinos de leituras do discurso. Ele prática na frente de teleprompters atentado para que a sua fala seja compreensiva e clara, ou seja, funcional para quem ouve. Assim, ele passa semanas trabalhando em cada discurso com seus redatores, lendo repetidamente, na íntegra e em voz alta.

Outra estratégia, é marcar o discurso com linhas e travessões sutis que a muito tempo ele usa como sinal para respirar, fazer uma pausa entre suas palavras ou orientar—se numa transição complicada. Essa manobra de controle respiratório para falhas na fluência é sem dúvida muito eficiente. A respiração é o nosso melhor regulador emocional, via componente fisiológico (um dos fatores foco de intervenção para pacientes com gagueira) e, por isto, no caso de pessoas que sofrem de gagueira se mostra eficiente a harmonização do fluxo da fala expressiva.

Segundo assessores, o Presidente Joe Biden não faz anotações para controlar sua gagueira em todos os discursos, mas o fez em alguns de seus discursos mais importantes e em reuniões com líderes estrangeiros no Salão Oval. Ele comentou com um ex-assessor que uma das coisas mais difíceis para um gago executar é fazer comentários em pé – o que venha a ser o seu trabalho diário.

Outras observações de seus assessores, em relação a sua estratégia compensatória, é a de que parece que Biden está marcando uma peça musical enquanto a prepara. E é isto mesmo, suas marcações se tornam notas de partitura para orientar a sua fluência harmônica em conjunto com o controle respiratório, como se fossem um compasso musical, e a tática é extremamente funcional.

Essa sua estratégia compensatória de apropriação do ritmo da fala por meio de um feedback métrico, visto em poemas e músicas por exemplo, se espraia para a imagética mental. Quando Biden ao saber do menino chamado Brayden Harrington que sofria de gagueira em uma campanha de 2020, ele o chamou para conversar nos bastidores e o recomendou um de seus poetas favoritos, o irlandês William Butler Yeats, para ajudá-lo a visualizar a fala, como um poema. Ele também mostrou ao menino as anotações que usou para o discurso do dia. “Depois de cada duas linhas ou palavras, ele desenhava uma linha reta, um espaço em branco entre as palavras, e isso indicava que ele precisa respirar” disse, Brayden em entrevista.

E a frase mais libertadora dita por Biden a essa criança, quando vemos os problemas pelo prisma da funcionalidade é, “Ah cara, suas imperfeições são seus dons”. Biden costuma referenciar a sua luta contra a gagueira como sendo algo do passado, mas costuma sugerir que seus primeiros anos – nos quais ele foi intimidado por colegas e um professor, até que sua mãe interveio – foram  experiências  formativas para moldar a resiliência e a empatia, a sua marca política, que lhe rendeu a presidência aos 77 anos.

Aprendi muito tendo que lidar com a gagueira” disse Biden em um discurso de 2016 no Amercian Institute for Stuttering. “Isto me deu uma visão sobre a dor de outras pessoas.

Como presidente, Biden frequentemente descreve sua gagueira como parte de um passado doloroso ao qual ele não retornará. Afirma “isto não pode definir você. Não vai definir você. Ponto final”, disse essas frases após visualizar numa campanha alguém segurando uma placa que dizia: “obrigado por gaguejar”!

Fonte: https://www.nytimes.com/2023/02/06/us/politics/biden-state-of-the-union-preparation.html

 

SOLIDÃO, ISOLAMENTO SOCIAL, DOENÇAS E MORTALIDADE

4 dezembro, 2022

Isolamento social e solidão têm sido relacionados a problemas de saúde. Entretanto, é necessária uma compreensão clara de suas implicações para morbidade e mortalidade para avaliar a extensão do desafio de saúde pública associado e o benefício potencial da intervenção.

De qualquer forma, já temos um arcabouço de evidências consistentes que ligam o isolamento social e a solidão a piores resultados cardiovasculares e de saúde mental. Essa condição de saúde incorpora 18 fatores discretos implicados na associação entre solidão, isolamento social e mortalidade. Esses fatores podem ser categorizados em sociais ou individuais e subcategorizados em biológicos, comportamentais e psicológicos.

A tempo, recomenda-se que os formuladores de políticas devem considerar o isolamento social e a solidão como fatores importantes que afetam a morbidade e a mortalidade devido a seus efeitos na saúde cardiovascular e mental.

As estratégias de prevenção devem, portanto, ser desenvolvidas nos setores público e privado, usando uma abordagem baseada em ativos com desenvolvimento de intervenções mais holísticas, visando muitos dos fatores interdependentes que contribuem para resultados ruins para pessoas solitárias e socialmente isoladas.

Decerto, a amizade pode ser um fator importante no bem-estar, enquanto a solidão e o isolamento social – condições distintas, mas relacionadas – podem estar associados a um risco aumentado de condições como depressão e ansiedade ou doenças cardíacas e acidente vascular cerebral – AVE.

Portanto, como incluimos diretrizes e recomendações para a quantidade de sono que temos e o quão fisicamente ativos somos, ter uma quantidade de amigos é relevante para a saúde, algo entre três e seis amigos íntimos pode ser o ponto ideal. Entretanto, sua personalidade e as características de sua vida vão fazer a diferença, nesses números.

Fontes:

Leigh-Hunt N, Bagguley D, Bash K, Turner V, Turnbull S, Valtorta N, Caan W. An overview of systematic reviews on the public health consequences of social isolation and loneliness. Public Health. 2017 Nov;152:157-171. doi: 10.1016/j.puhe.2017.07.035. Epub 2017 Sep 12. PMID: 28915435.

Hodgson S, Watts I, Fraser S, Roderick P, Dambha-Miller H. Loneliness, social isolation, cardiovascular disease and mortality: a synthesis of the literature and conceptual framework. J R Soc Med. 2020 May;113(5):185-192. doi: 10.1177/0141076820918236. PMID: 32407646; PMCID: PMC7366328.

Pearson, Catherine. How Many Friends Do You Really Need? https://www.nytimes.com/2022/05/07/well/live/adult-friendships-number.html

 

DIAGNÓSTICO TARDIO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA EM MULHERES

3 dezembro, 2022

A evidência de que mulheres e homens são diferentes é indiscutivelmente tão antiga quanto a vida humana, mas estudos básicos de pesquisa são realizados exclusivamente em animais machos e as mulheres são amplamente excluídas dos ensaios clínicos. Além do sexo, o gênero é ainda mais negligenciado como determinante da saúde humana (Marra et al., 2018).

Acrescenta-se que, sexo e gênero são termos usados de forma intercambiável, apesar de seus significados diferentes (Marra et al., 2018). Sexo, na pesquisa médica, refere-se a diferenças biológicas e fisiológicas entre mulheres e homens, com cromossomos sexuais (XX vs. XY) e hormônios gonadais contribuindo, principalmente, para essas diferenças no nível celular, órgão e sistemas. Já gênero refere-se a uma combinação de influências ambientais, sociais e culturais sobre os fatores biológicos em mulheres e homens. O gênero está enraizado na biologia e moldado pelo ambiente e pela experiência. Há evidências crescentes para apoiar que tanto o sexo quanto o gênero afetam a etiologia, a apresentação e os resultados do tratamento de muitas doenças (Koch-Gromus & Gromus, 2014; Marra et al., 2018; Nebel et al., 2018).

Por isso, sexo e gênero moldam nosso estado de saúde por meio de interação dinâmica: uma melhor integração de sexo e gênero na pesquisa e na abordagem clínica é obrigatória, pois leva a uma medicina personalizada e à igualdade nos cuidados de saúde (Marra et al., 2018). Logo, para maximizar o desenvolvimento de tratamentos e intervenções atuais e futuros em todo o espectro do autismo, as diferenças de sexo e gênero devem ser melhor compreendidas e medidas.

Em especial, o Transtorno do Espectro Autista - TEA muitas vezes não é reconhecido, especialmente na sua apresentação no nível leve em mulheres sem déficit de linguagem/intelectual.

Uma das hipóteses é que as mulheres camuflam mais os sintomas de TEA do que os homens, contribuindo potencialmente para a diferença na prevalência. Essa camuflagem pode ocorrer na forma de modificar a expressão social externa de alguém, como forçar-se a exibir expressões faciais e contato visual apropriados ou até mesmo representar um personagem ou papel para parecer mais típico ou suprimir comportamentos inapropriados e idiossincráticos. Além disso, a camuflagem foi positivamente correlacionada com a gravidade dos sintomas de humor em homens com TEA e com o funcionamento executivo em mulheres com TEA. Isso sugere que o mesmo fenômeno relacionado ao TEA, camuflado neste caso, pode se manifestar de maneira diferente em homens e mulheres, resultando em um potencial risco diferencial de psicopatologia. Aliás, o fenótipo apresentado por mulheres com TEA pode não refletir necessariamente como elas vivenciam o mundo (Schuck et al., 2019).

Do mesmo modo, em comparação com homens, as mulheres apresentam um atraso significativamente maior no encaminhamento para serviços de saúde mental e uma idade significativamente maior no diagnóstico de TEA. Por exemplo, as mulheres são menos propensas a serem diagnosticadas corretamente e mais propensas a serem diagnosticadas erroneamente na primeira avaliação do que os homens. As mulheres relatam pontuações significativamente mais altas do que os homens no domínio Hiper/Hiporreatividade à entrada sensorial, apenas entre os indivíduos que foram diagnosticados erroneamente (Gesi et al., 2021).

Em resumo, pesquisas crescentes apoiam a especificidade de gênero na apresentação dos sintomas do TEA. Acredita-se que fenótipos diferentes, comorbidades psiquiátricas e nível de "camuflagem" (estratégias comportamentais de enfrentamento para ocultar os sintomas para uso em situações sociais) contribuam ainda mais para a discrepância nas taxas de prevalência e erros de diagnóstico resultantes ou diagnóstico tardio em indivíduos do sexo feminino. Ambos os fatores nosológicos e culturais parecem estar contribuindo para diferenças no diagnóstico de TEA em mulheres. Essas diferenças na apresentação têm implicações importantes para o diagnóstico tardio, o tratamento do TEA e a qualidade de vida das mulheres com autismo (Green et al., 2019).

 FONTES:

Gesi, C., Migliarese, G., Torriero, S., Capellazzi, M., Omboni, A. C., Cerveri, G., & Mencacci, C. (2021). Gender Differences in Misdiagnosis and Delayed Diagnosis among Adults with Autism Spectrum Disorder with No Language or Intellectual Disability. Brain Sciences, 11(7), 912. https://doi.org/10.3390/brainsci11070912

Green, R. M., Travers, A. M., Howe, Y., & McDougle, C. J. (2019). Women and Autism Spectrum Disorder: Diagnosis and Implications for Treatment of  Adolescents and Adults. Current Psychiatry Reports, 21(4), 22. https://doi.org/10.1007/s11920-019-1006-3

Koch-Gromus, U., & Gromus, B. (2014). Gesundheit und Geschlecht. Bundesgesundheitsblatt - Gesundheitsforschung - Gesundheitsschutz, 57(9), 1019–1021. https://doi.org/10.1007/s00103-014-2024-2

Marra, A. M., Biskup, E., & Raparelli, V. (2018). The Internal Medicine and Assessment of Gender Differences in Europe (IMAGINE): The new European Federation of Internal Medicine initiative on sex and gender medicine. European Journal of Internal Medicine, 51, e30–e32. https://doi.org/10.1016/j.ejim.2018.02.003

Nebel, R. A., Aggarwal, N. T., Barnes, L. L., Gallagher, A., Goldstein, J. M., Kantarci, K., Mallampalli, M. P., Mormino, E. C., Scott, L., Yu, W. H., Maki, P. M., & Mielke, M. M. (2018). Understanding the impact of sex and gender in Alzheimer’s disease: A call to action. Alzheimer’s & Dementia, 14(9), 1171–1183. https://doi.org/10.1016/j.jalz.2018.04.008

Schuck, R. K., Flores, R. E., & Fung, L. K. (2019). Brief Report: Sex/Gender Differences in Symptomology and Camouflaging in Adults with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 49(6), 2597–2604. https://doi.org/10.1007/s10803-019-03998-y

 

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL - DI E SUA CONDIÇÃO CLÍNICA

27 novembro, 2022

O termo retardo mental (RM) ainda é usado em muitos contextos, inclusive por alguns médicos, e é encontrado em políticas legais e públicas que determinam a elegibilidade para apoio; no entanto, o uso do termo deficiência intelectual como substituto direto do retardo mental está aumentando. A American Association on Mental Retardation foi renomeada para American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD), enfatizando que a definição de DI é exatamente a mesma que para RM (Shea, 2012). 

A principal razão para a mudança é que o termo retardo mental é percebido como pejorativo; essa mudança semântica não reflete uma ressignificação da condição (Shea, 2012).

O diagnóstico se baseia em três características coexistentes: (1) funcionamento intelectual significativamente abaixo da média acompanhado por (2) déficits ou deficiências nas habilidades adaptativas com (3) início antes dos 18 anos de idade (Shea, 2012).

Por convenção, para todos os níveis de DI, o QI reduzido deve ser acompanhado por déficits nas funções adaptativas, que incluem habilidades conceituais, sociais e práticas. Habilidades conceituais incluem linguagem, alfabetização e aquisição de numeramento, bem como compreensão de tempo e dinheiro. As habilidades sociais incluem julgamento social, habilidades interpessoais e resolução de problemas sociais. Habilidades práticas incluem cuidados pessoais e outras atividades da vida diária, habilidades ocupacionais, capacidade de negociar o mundo com segurança e acesso ao transporte, e assim por diante (Shea, 2012).

A DI é uma condição permanente, caracterizada por comprometimento significativo do desenvolvimento cognitivo e adaptativo devido a anormalidades da estrutura ou função cerebral. Assim, a DI não é uma entidade única, mas sim um sintoma geral de uma disfunção neurológica (Shea, 2012).

Entretanto, os clínicos variam com relação à aplicação do termo DI, dependendo da idade do indivíduo. Alguns preferem usar o termo atraso no desenvolvimento ou atraso no desenvolvimento global para crianças menores de 5 anos e reservam DI para crianças mais velhas. Para alguns, esse uso parece ser uma questão de convenção, enquanto para outros é um reflexo da necessidade de ter confiança na trajetória de desenvolvimento de uma criança antes de aplicar os últimos termos.

Graus da DI são descritos no DSM-IV. Os adjetivos correlatos (leve, moderado, severo, profundo) costumam ser usados para resumir os resultados dos testes, e é útil entender o que eles representam. Dentro do DSM, os intervalos são dados como números de quociente de inteligência (QI), que se baseiam no QI médio da população de 100, e 1 DP equivale a 15 pontos em avaliações comumente usadas. Uma pontuação inferior a 70 pontos, ou seja, mais de 2 DPs abaixo da média, representa DI. A DI leve é definida quando o QI cai 2 a 3 DPs abaixo da média (55 a 70). Na DI moderada, o QI está 3 a 4 DPs abaixo da média (40 a 55); na DI grave, o QI está 4 a 5 DPs abaixo da média (25 a 40); e na DI profunda o QI está mais de 5 SDs abaixo da média (abaixo de 25). (Shea, 2012).

Fonte: Shea, S. E. (2012). Intellectual Disability (Mental Retardation). Pediatrics in Review, 33(3), 110–121. https://doi.org/10.1542/pir.33-3-110

 

AUTISMO E MOTIVAÇÃO SOCIAL

26 novembro, 2022

A motivação social, a nível neurofisiológico, é modulada pelos circuitos cerebrais relacionados ao sistema de recompensa. Em indivíduos com Transtorno do Espetro Autista – TEA há uma ativação atípica desse sistema durante as interações sociais.

Desta forma, o olhar é uma sugestão social que parece ser particularmente gratificante em indivíduos típicos. Especificamente, ver um rosto atraente fazendo contato visual envolve sistemas cerebrais ligados à recompensa. Por exemplo, um adulto típico, considera o olhar direto mais gratificante do que o olhar desviado, e ainda mais para objetos. No entanto, aqueles com TEA podem ser indiferentes.

Isto é, no caso do TEA, esse grupo difere de indivíduos com desenvolvimento típico quanto a motivação para se envolver ou se afiliar a outras pessoas. Essas alterações refletem indiferença ou mesmo respostas negativas de excitação ao olhar direto.

Desta forma, a motivação social pode ser aferida em termos de orientação social, busca visual e manutenção social.

Com efeito, a orientação social é definida como a conduta de dar prioridade de atenção a pistas sociais ou informações sociais. No caso de indivíduos com TEA, eles olham menos para rostos e estímulos sociais do que indivíduos típicos.

Já a manutenção social, é descrita como o desejo dos indivíduos de se envolver com os outros durante um período prolongado. E neste parâmetro, indivíduos com TEA não envolvem em gerenciamento de reputação; não tentam conectar com pessoas, e não ficam lisonjeados com outras pessoas.

Em relação a busca social, é um conceito que normalmente é entendido como gostar de um estímulo (obter prazer hedônico com ele) e desejá-lo (fazer esforço para obtê-lo). Essa motivação, via esforço, é muito reduzida no grupo com TEA.

Em resumo, em estudos de autorrelatos, nos grupos clínicos com TEA, sugerem que eles experimentam menos prazer com contatos sociais e não expressam solidão, apesar de relatarem menor companheirismo e reciprocidade em suas redes de pares. Por tudo isso, indivíduos com TEA demonstram motivação social reduzida.

Logo, uma indiferença mais específica em relação ao olhar direto é relatada. Em contraposição a uma preferência por estímulos não sociais.  Eles não valorizam os estímulos sociais com o olhar direto, porém podem olhar, desde que não exija mais esforço do que uma outra opção.

Consequentemente, o olhar direto no TEA pode ser imotivado mais pela falta de interesse na interação social do que pela aversão dos olhos.

Fonte: Dubey, I., Ropar, D. & de C Hamilton, A.F. Measuring the value of social engagement in adults with and without autism. Molecular Autism 6, 35 (2015). https://doi.org/10.1186/s13229-015-0031-2

 

A OBESIDADE NÃO É UMA FALHA PESSOAL

24 novembro, 2022

A obesidade não é uma falha pessoal, segundo um seleto grupo dos principais pesquisadores do mundo que estudam a obesidade, em reunião recentemente na Royal Society, a academia de ciências de Isaac Newton e Charles Darwin.


Na reunião de encerramento do encontro, algumas conclusões importantes filtradas por Belluz, J (2022):

1)Não há consenso algum sobre qual é a causa da obesidade. 

2)Preguiça, gula e descuido não foram referidos como atores da obesidade. Em total contraste com a visão social predominante da obesidade, que assume que as pessoas têm controle total sobre seu tamanho corporal, eles não culpam os indivíduos por sua condição, da mesma forma que não culpamos as pessoas que sofrem os efeitos da desnutrição, como atrofia.

3)A obesidade é uma condição crônica complexa, existem lacunas para entender por que os humanos, coletivamente, engordaram mais ao longo do último meio século.

4)Enquanto tratarmos a obesidade como uma questão de responsabilidade pessoal, é improvável que sua prevalência diminua.


Várias visões sobre o problema dos carboidratos:

1)Biólogo nutricional: os carboidratos e gorduras em nossa alimentação hoje diluem a proteína de que nosso corpo precisa, levando-nos a ingerir mais calorias para compensar a discrepância.

2)Endocrinologista: os padrões alimentares ricos em carboidratos promovem exclusivamente a gordura ao abordar a dieta com baixo teor de carboidratos.

3)Antropólogo evolucionário: argumentou que muitas sociedades de caçadores-coletores magros comiam muitos carboidratos, com uma afinidade especial pelo mel. 


Outras opiniões sobre os carboidratos: o problema são os alimentos ultraprocessados, e não os carboidratos em si, neste caso: 

4)Fisiologista: as pessoas comem mais calorias e ganham mais peso em dietas ultraprocessadas, em comparação com dietas de alimentos integrais, com a mesma composição de nutrientes. Mas ainda não está claro por que esses alimentos levam as pessoas a comer mais.

5)Bioquímico: O mistério pode ser explicado pelas milhares de substâncias tóxicas que os alimentos ultraprocessados podem carregar na forma de fertilizantes, inseticidas, plásticos e aditivos.

6)Etóloga: escassez de comida, consumo reduzido de calorias, levam passarinhos a ganhar mais peso. Estudos em humanos também encontraram uma associação “robusta” entre insegurança alimentar e obesidade. 


Além desses pontos, acredita-se que a obesidade surja devido a interações gene-ambiente ainda obscuras.


Conclusões: 

1)Existe uma profunda lacuna entre os argumentos dos palestrantes na reunião e as conversas de peso que acontecem em nossa cultura sobre a obesidade. 

2)Nenhum cientista falou sobre qualquer das supostas soluções que enchem os livros de dieta e as prateleiras das lojas, com exceção da discussão sobre carboidratos. 

3)Não houve diálogo sério sobre desintoxicação, aplicativos de dieta ou jejum intermitente. 

4)Ninguém sugeriu que os suplementos pudessem ajudar as pessoas a perder peso ou que o metabolismo precisasse ser estimulado. 

5)O único pesquisador sobre o microbioma intestinal argumentou que os testes em humanos sobre obesidade, até o momento, foram decepcionantes.


Além do mais, existe avanços importantes e eficazes na medicina no tratamento de pacientes com obesidade, como os medicamentos e cirurgias.  Entretanto, esses recursos não foram discutidos como soluções definitivas para a crise de saúde pública.


Logo, a obesidade deve ser tratada como um desafio social, e não pelo viés de escolha individual, que domina. 


Fonte: Belluz, B. Scientists Don’t Agree on What Causes Obesity, but They Know What Doesn’t - https://www.nytimes.com/2022/11/21/opinion/obesity-cause.html

 

DEPRESSÃO E HÁBITO

20 novembro, 2022

O tratamento de uma condição clínica que muda a nossa engenharia comportamental, de forma disfuncional e nos causando sofrimento e prejuízos diários, nos exige uma postura de gigante para a mudança desses padrões que compõem esse modo de funcionamento. Consequentemente, é como trabalhar para mudar a engrenagem de uma máquina. Assim, a força motriz, muitas vezes até ausente, é absurdamente desafiadora e fundamental para a alteração do processo.

E, por isto, gostaria de abordar sobre a depressão junto com o hábito. Por exemplo, para mudar algumas coisas em seu comportamento, é necessário que você faça isso repetidamente. Como disse Aristóteles, “nós somos o que fazemos repetidamente”. Logo, nenhuma modulação comportamental pode se abdicar dessa premissa básica, caso contrário, estará fadada a ser direcionada por padrões disfuncionais da doença (neuroplasticidade negativa).

Junto a isso, o processo de modulação comportamental é lento. De modo que, os passos pequenos são muitas vezes imperceptíveis pelos pacientes e por sua rede de suporte e por este motivo, eles devem ser sinalizados com instrumentos de medidas capazes de capturar essas alterações e permitir um feedback para o paciente e seu ambiente. Esse espectro é importante para mostrar a evolução desses passos pequenos, mas basilares em prol da modificação positiva do comportamento em relação ao quadro clínico. Desta forma, não se iluda em pensar que mudar seus hábitos será uma tarefa rápida e fácil, pois nada é mais difícil do que mudar um hábito. Uma vez que, o sistema operacional do seu cérebro é fiel. Ele o adota de volta aos mesmos padrões de comportamento que você costuma enfatizar, mesmo que geradores de muito sofrimento. Isso é plasticidade negativa, uma rota automatizada, que nesta situação é guiada pelo hábito disfuncional. E para isto, novos hábitos devem ser implementados e treinados com processos cognitivos controlados, até que esses se tornem hábitos autônomos.

O psicólogo William James historiou em 1887, quando escreveu Habit – um breve tratado sobre como nossos padrões de comportamento moldam quem nós somos e, ao que frequentemente, nos referimos como caráter e personalidade. James começa com um relato científico e fisiológico do cérebro e de nossos grupos de padrões de informação arraigados, explorando a noção de neuroplasticidade um século antes de se tornar um termo da neurociência moderna popular e oferecer essa definição elegante (Popova, M. 2012) :

“Plasticidade… no sentido amplo da palavra, significa a posse de uma estrutura fraca o suficiente para produzir uma influência, mas forte o suficiente para não a produzir toda de uma só vez.”

Em seguida, William James faz a ponte entre o corpo e a mente para esclarecer como os “loops de hábitos” dominam nossas vidas (Popova, M. 2012):

“O que é tão claramente verdadeiro do aparato nervoso da vida animal dificilmente pode ser diferente do que é ministrado à atividade automática da mente (...) Qualquer sequência de ação mental que tenha sido repetida, frequentemente, tende a se perpetuar; para que nos sintamos automaticamente motivados a pensar, sentir ou fazer aquilo que estivemos acostumados a pensar, sentir ou fazer sob circunstâncias semelhantes, sem qualquer propósito formado conscientemente ou antecipação de resultados.”

Logo, se você tem uma doença como a depressão, (re)introduzir padrões positivos de tarefas é a mudança comportamental do seu tratamento. Não há outra saída. A transformação e excelência, então, não é um ato, mas um hábito cotidianamente lapidado para uma direção, seja ela em prol de neuroplasticidade neutra, positiva ou negativa. E, na visão clínica, a condução terapêutica é em prol da modulação positiva. Primeiro, pela via medicamentosa, uma vez que os medicamentos, pelo menos em parte, atuam no cérebro para formar novas conexões entre as células. A saber, em função de que uma das hipóteses da depressão, está relacionada ao estresse crônico e, esse leva a perda de conexões - chamadas sinapses - entre as células do hipocampo e outras partes do cérebro, potencialmente levando à depressão. O segundo ponto, é a intervenção comportamental, ou seja, condutas direcionadas as modificações dos hábitos disfuncionais.

Enfim, esse processo pode exigir muitas tentativas e erros pelos pontos dinâmicos abordados no texto, mas é importante lembrar que você tem opções. E, não desista, lembre-se dos pequenos, mas importantes passos!

Fontes:

Smith, Dana G. (2022). Antidepressants Don’t Work the Way Many People Think. https://www.nytimes.com/2022/11/08/well/mind/antidepressants-effects-alternatives.html

Podova, M. (2012) William James on the Psychology of Habit. https://www.themarginalian.org/2012/09/25/william-james-on-habit/ 

 

PSICOEDUCAÇÃO - EDUQUE-SE SOBRE O SEU DIAGNÓSTICO

16 novembro, 2022

A psicoeducação envolve ensinar os pacientes sobre seu diagnóstico, a importância da adesão aos regimes de tratamento e como se comunicar efetivamente com seus médicos.

Além do mais, esse o conhecimento é necessário para fazer escolhas informadas sobre o tratamento e sobre o gerenciamento dos sintomas de sua doença com e sem a intervenção. 

A psicoeducação pode ser ministrada em grupo ou individualmente e faz parte da prática da terapia psicológica, mas não se restringe a essa, sendo de fundamental importância em todos os campos da saúde mental e física. 

Ao longo dos anos, a psicoeducação emergiu como uma ferramenta psicoterapêutica adjuvante eficaz para pacientes e suas famílias com vários tipos de transtornos psiquiátricos. 

Sua eficácia em promover adesão e prevenir recaídas foi bem estabelecida por estudos em esquizofrenia e transtorno bipolar. Estudos também estão sendo realizados em outros transtornos psiquiátricos (transtornos de ansiedade, transtornos de depressão, transtorno por uso de substâncias, transtorno de personalidade e diagnóstico duplo – comorbidade)  para estabelecer firmemente sua eficácia. 

Continua sendo uma modalidade de tratamento simples e econômica, que contribui muito para capacitar os pacientes e seus familiares com o conhecimento de sua doença, o que os ajuda a lidar melhor com a condição e gerenciá-la de maneira mais eficaz.

Fonte: Sarkhel, S., Singh, O., & Arora, M. (2020). Clinical Practice Guidelines for Psychoeducation in Psychiatric Disorders General Principles of Psychoeducation. Indian Journal of Psychiatry, 62(8), 319. https://doi.org/10.4103/psychiatry.IndianJPsychiatry_780_19

 

A ANATOMIA DO ATAQUE DE PÂNICO

13 novembro, 2022

Os ataques de pânicos giram em torno do terror e de uma constelação de sintomas, tanto físicos quanto cognitivos.

O cérebro da pessoa em crise é tomado pelo medo, o seu corpo responde, e pode ser difícil entender tudo isso.

Em termos neurofisiológicos, o do ataque de pânico é irrompido quando o cérebro não é capaz de enviar mensagens entre o córtex pré-frontal, que está associado à lógica e ao raciocínio, e a amígdala, que ativa a urgência da regulação emocional. Durante um ataque de pânico, a amígdala é hiper-reativa, como num quarto pegando fogo na saída de uma tomada, enquanto o córtex pré-frontal é menos responsivo, ou seja, ele não consegue ativar o sistema gerenciamento e inibição de incêndio do prédio, levando o quarto a um incêndio com capacidade para queimar todo o apto ou o prédio.

Ele tem início súbito, acompanhado de um medo intenso, em oposição a uma condição de ansiedade generalizada, que geralmente se manifesta como uma preocupação quase constante.

Os sintomas podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente, seguem os seguintes sintomas:

·         Palpitações cardíacas

·         Dificuldade de respirar

·         Formigamento em membros superiores e inferiores

·         Enjoos

·         Sensação de compreensão no peito e/ou sufocamentos

·         Calor, suor e/ou calafrios

·         Medo agitado e desestabilizador

No auge do ataque de pânico, há pensamentos como:

·         Percepção de estado de loucura, perda do controle cognitivo e das reações fisiológicas

·         Percepção de que estaria tendo um ataque cardíaco

·         Sensação de pré-morte

Importante salientar que, a maioria das pessoas que experimenta um ataque de pânico não apresenta todos esses sintomas acima, mas pode ter muito deles.

Um pequeno grupo de pessoas que sofrem de ataques de pânico, no entanto, apresentam sintomas limitados, nos quais encontram três ou menos dos listados acima.

E, quase tão repentinamente os ataques de pânicos irrompem, eles geralmente se dissipam. Os sintomas aumentam ao longo de dez minutos e, geralmente, desaparecem em meia hora, embora algumas pessoas possam sentir efeitos prolongados.

Por ser uma experiência traumática, esse grupo clínico pode começar a temer sensações que os lembram de seus sintomas. Consequentemente, começam a evitar qualquer coisa que os lembrem do episódico, por exemplo, os locais em que os eventos se desencadearam, estourando outro transtorno conhecido como agorafobia.

O desencadeamento do ataque de pânico se relaciona a um conjunto diversificado de estressores – como eventos traumáticos; preocupações financeiras; tarefas do cotidiano, como falar em público; ou até mesmo não ter nenhum gatilho discernível.

Dicas para autocuidado durante um ataque de pânico:

·         Feche os olhos e converse com você mesmo, lembrando do seguinte ponto: você já passou pela experiência antes, embora muito assustadora, o pânico em si não é perigoso.

·         Ligue para alguém de sua confiança: falar com alguém sobre o que você está experimentando e nomear as sensações dissipadas pelo seu corpo colabora para amenizar e estabilizar os sintomas no momento.

·         Exercício de aterramento: conte e nomeie as cores ao seu redor. Diga cada uma em voz alta, ou apenas anote-as em sua mente. Esse recurso, e um descolamento perceptivo e atencional para pontos neutros e não ameaçadores que seu corpo está ativando em si.

·         Regulação da atenção para o presente, pela via sensorial tátil: coloque um pano úmido e frio sobre o pulso. Isto ajuda também a aliviar o calor desconfortável e a transpiração que algumas pessoas sentem durante os seus ataques de pânico.

·         Regulação da respiração: sair do padrão de hiperventilação, comum num ataque, para um padrão de respiração diafragmática, ou seja, respirar como um bebê, concentrando-se em expandir o abdômen. Isso pode retardar e aprofundar a respiração, inundando o cérebro com oxigênio e acionado o sistema nervoso parassimpático, que ajuda a sinalizar que não precisamos lutar e reduz os níveis de angústia.

Entretanto, essas dicas são temporárias. E, no caso de um transtorno, são necessárias condutas clínicas para intervenção, via medicamento e psicoterapia, para que num ambiente controlado possa ser modulado os medos e as sensações experimentadas durante um ataque de pânico.

Por exemplo, o EMDR - Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares) é uma técnica toda atrelada a regulação da neurobiologia do medo, incluindo os parâmetros de nível cognitivo, quanto as crenças disfuncionais e as memórias traumáticas associadas aos sintomas. Assim como, a Terapia Cognitiva Comportamental -TCC.

Lembre-se por mais desconcertante que um ataque de pânico possa ser, é importante lembrar que eles são altamente tratáveis e que, tão repentinamente quanto podem surgir, eles começam a desaparecer.

Fonte: Blum, Dani. The anatomy of a panic attack. https://www.nytimes.com/interactive/2022/11/10/well/mind/panic-attack-symptoms-causes.html

 

CONVERSAR É EVOLUÇÃO, E NÃO O CONTRÁRIO

2 novembro, 2022

“Nossos cérebros evoluíram para serem sociais: precisamos de interação e conversas frequentes para manter a sanidade” (Suzanne Dikker, neurocientista cognitiva e linguista da Universidade de Nova York).

“A conversa é nossa maior ferramenta para alinhar mentes. Não pensamos no vácuo, mas com outras pessoas.” (Thalia Wheatley, neurocientista social do Dartmouth College).

Em momentos de fortes divisões de opiniões, como as que estamos vivendo na área política atual, relativas a temas sociais importantes, é possível o alinhamento de crenças por meio do diálogo?

A resposta é sim. No entanto, desde que o grupo de discussões esteja livre de fanfarrões, desses que só desejam lacrar (palavra cafona da moda nas redes sociais).

As discussões em grupo para resolver problemas comuns é um dos empreendimentos mais importantes nas sociedades humanas, mas chegar a um consenso, como sabemos, pode ser muito aflitivo.

Apesar das pessoas perceberem fatos de maneiras diferentes e terem relatos também diferentes sobre um acontecimento, é possível chegar a um consenso e termos modulações cognitivas, após uma discussão pujante.

Uma conversa robusta que resulta de um consenso, sincroniza os cérebros dos falantes não apenas quando se pensa no tópico que foi explicitamente discutido, mas em situações relacionadas que não foram alvo da conversa, posteriormente.

Entretanto, a BARREIRA para este padrão de saúde cognitiva, por meio de uma discussão em prol do acordo, é ter um membro do grupo cujas opiniões estridentes afetam a todos os outros.

Em contrapartida, após uma discussão alentada, temos maior alinhamento sobre um fato ao ser reanalisado pelos canais auditivos e visuais e, pelos domínios atencionais, mnemônicos, linguísticos e outros, e com sincronia de ativação cerebral do grupo participante da conversa e mesmo para novos pontos que são vistos individualmente. Logo, só atingimos uma dimensão ampliada sobre um tema, após uma conversa sem empecilhos individuais (crenças enrijecidas) de todos os presentes no grupo em prol do diálogo e com condutas de mediação.

Pontos importantes:

·         Pessoas que compartilham crenças tendem a compartilhar ativações cerebrais semelhantes. Por exemplo, indivíduos que vêm uma imagem de notícias, a atividade cerebral daqueles com concepções conservadoras se pareciam mais com a de outros conservadores e vice-versa, conforme estudos.

·         Traços de personalidade e dinâmicas de conversação, como reversar, podem afetar a dinâmica de um bate-papo, para ativar ou inibir a sincronia promovida pela comunicação.

Desta forma, o grau de similaridade nas respostas cerebrais depende não apenas das predisposições inerentes das pessoas, mas também do terreno comum criado por uma conversa.

Agora, o comportamento de um indivíduo pode influenciar drasticamente uma decisão de grupo. Por exemplo, num viés da divergência com condutas persuasivas de fanfarronice, dando ordens e executando conversas pontuais, não com o grupo, mas isoladamente com outros indivíduos para desagregar. Em compensação, num viés de mediação, a presença de condutas para leitura do contexto pelos participantes da discussão e tentativas de encontro de um terreno comum facilitam o diálogo.

Portanto, só existe alinhamento no processamento cognitivo em temas divergentes, mas em prol do consenso, via diálogo, se entrarmos numa discussão dispostos a mudar de ideia e não rígidos em nossas crenças, a tal ponto de agirmos apenas com imposições de visões individuais.

Fonte: Hughes, Virginia. How to Change Minds? A Study Makes the Case for Talking It Out. The New York Times. https://www.nytimes.com/2022/09/16/science/group-consensus-persuasion-brain-alignment.html

 

O FRACASSO DE UMA CRIANÇA EM APRENDER

29 outubro, 2022

Inúmeros fatores podem contribuir para o fracasso de uma criança em aprender. 

Consequentemente, as razões para o fracasso escolar de uma criança não devem ser consideradas isoladamente, mas sim no contexto das circunstâncias sociais e ambientais. 

Assim, é possível categorizar 3 causas mais expressivas do fracasso escolar de crianças:

  • 1  Características intrínsecas da criança: que são os transtornos do neurodesenvolvimento, como o Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem – TDL, Distúrbios Específicos de Aprendizagem - DEA, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, Deficiência Intelectual - DI, Deficiência Sensorial, e as doenças crônicas, etc.
  • 2.  Características do ambiente da criança: disfunções familiares, problemas sociais e escolarização ineficaz. 
  • 3.   Consequências da interação entre a criança e seu ambiente: disfunção temperamental, falhas de atenção e transtornos emocionais 

Por conseguinte, a avaliação neuropsicológica deve considerar a miríade dessas razões para insucesso escolar de uma criança e ser um exame de captura dessas causas por meio de dados quantitativos e qualitativos devidamente tratados e analisados.

E só diante desse rastreio, é possível:

  • a)    executar a intervenção com as condições clínicas subjacentes especificadas e dimensionadas,
  • b)    implementar aconselhamentos adequados,
  • c)     promover a comunicação com os serviços e recursos médicos, educacionais e familiar necessários para a crianças,
  • d)    coordenar os procedimentos de seguimento do tratamento, e
  • e)    realizar os encaminhamentos adicionais. 

 

Fonte: Dworkin PH. School failure. Pediatr Rev. 1989 Apr;10(10):301-12. doi: 10.1542/pir.10-10-301. PMID: 2704665.

 

O SENTIDO DA VIDA PARA PACIENTES COM DEPRESSÃO

29 julho, 2022

Com o desenvolvimento contínuo da sociedade moderna, tem potencializado as experiências das pessoas com vidas tensas e ocupadas e enfrentando todos os tipos de pressões diárias. Quando os indivíduos têm dificuldade em se ajustar às pressões da vida, eles são propensos à depressão.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS, no ano de 2017 cerca de 5,8% da população brasileira sofria de depressão – um total de 11,5 milhões de casos. Sendo o maior índice na América Latina. Já em pesquisa Vigitel de 2021, esse percentual subiu para 11,3%. Tendo a maior frequência entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%).

Entretanto, apesar da existência de tratamentos efetivos para a depressão, menos da metade das pessoas afetadas no mundo – e, em alguns países, menos de 10% dos casos – recebem ajuda clínica. As barreiras incluem falta de recursos, falta de profissionais capacitados e o estigma social associado aos transtornos mentais, além de falhas no diagnóstico.

Uma das facetas emocionais desses pacientes, é que muitas vezes eles sentem que suas vidas não têm sentido e valor, às vezes acompanhadas de pensamentos e tentativas de suicídio. Em contraposição, uma vida significativa é uma variável importante para a prevenção e cuidado do suicídio. Portanto, os recursos de prevenção ao suicídio devem incluir componentes relacionados ao sentido da vida.

Desta forma, os profissionais de saúde podem intervir para que os pacientes com depressão explorem seu significado de vida, enquanto esses suportam e transformam a dor emocional que acompanha a depressão. Portanto, diminuindo suas ideações suicidas.

Um dos recursos é a Terapia do Significado, criada por Victor Frankl (1946). Nessa modalidade terapêutica, Vitor Frankl apresentou três fontes únicas onde as pessoas desvendam e descobrem os significados da vida.

1)      O valor da criatividade (o sentido do trabalho): neste caso, os indivíduos são incentivados a investir em um novo objetivo de vida. Quando os indivíduos se dedicam ao trabalho ou, à criação, experimentam o sentido da vida e sentem o valor da autoexistência.

2)      2) O valor da experiência (o significado do amor): nesta etapa, os indivíduos são incentivados a experimentar a dimensão deste afeto consigo mesmo, família, amizade, comunidade, na sua concepção religiosa, e para toda a humanidade em todo o mundo, bem como, com o próprio planeta Terra.

3)      3) O valor das atitudes (o significado do sofrimento): aqui, visa ampliar a percepção de que os seres humanos estão fadados a sofrer dores inevitáveis ​​em suas vidas. No entanto, como afirma V. Frankl que, na dor, os indivíduos podem manter a liberdade de escolher como enfrentá-la, mudar suas atitudes em relação ao sofrimento, tratar o sofrimento como uma experiência vivida e compreender o significado do sofrimento como fundido com a própria vida. Se os indivíduos acreditam que o sofrimento tem significado, eles podem optar por suportá-lo e trabalhá-lo.

Fonte: Zeng YY, Long A, Chiang CY, Chiu NM, Sun FK. Exploring the meaning of life from the perspective of patients with depression: A phenomenological study. Arch Psychiatr Nurs. 2021 Oct;35(5):427-433. doi: 10.1016/j.apnu.2021.06.004. Epub 2021 Jun 22. PMID: 34561055.

 

É FUNDAMENTAL A AVALIAÇÃO E A GESTÃO DOS SINTOMAS COMPORTAMENTAIS E PSICOLÓGICOS NA DEMÊNCIA

1 maio, 2022

Segundo a Dra. Lauren, professora de psiquiatria da Universidade de Michigan, o objetivo da avaliação é tentar evitar a prescrição de medicamentos sem um cálculo das causas subjacentes.

Ela argumenta que conhecer as causas subjacentes dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência, realmente ajudará a direcionar adequadamente o tratamento. Uma vez que a gestão de quadros de infecções e psicose, ou problemas com cuidadores e com o meio ambiente devem ser abordados de maneira muito diferente neste grupo clínico. E sem conhecer as causas, como tratar?

No entanto, discorre ela, “na prática clínica do mundo real, as pessoas com demência geralmente recebem medicamentos psicotrópicos, como antipsicóticos, apesar da evidência de um efeito de evolução modesto. Embora os antipsicóticos tenham as melhores evidências para o tratamento dos sintomas comportamentais e psicológicos na demência, eles estão associados a um risco significativo, incluindo aumento da mortalidade, quedas, confusão, sedação e efeitos colaterais motores”.

E no mais, a avaliação permite a individualização da gestão clínica da condição de saúde. Por exemplo, recentemente a Clarivate publicou o relatório sobre o impacto de condutas orientadas para o paciente a partir de tratamentos de dados que visam realmente fornecer tomadas de decisões clínicas individualizadas.

Na atualidade, as condutas clínicas passam pela tipificação individualizada das disfunções cognitivas e deficiências do corpo, das limitações na execução de atividades e restrições de participação, e das barreias individuais e ambientais para a condução adequada da intervenção. Esses dados permitem a gestão abrangente da intervenção e a redução de efeitos clínicos adversos.

Fonte: Lauren Gerlach, MD, professora assistente de psiquiatria na Divisão de Psiquiatria Geriátrica da Universidade de Michigan para o Psychopharmacology Institute.

 

A REALIDADE VIRTUAL (RV) COMO IMPULSIONADORA DA NEURORREABILITAÇÃO ROBÓTICA

1 maio, 2022

A robótica é uma importante tecnologia que trouxe avanços no campo da neurorreabilitação assistida por robô (Tieri et al., 2018).

O objetivo do uso dessa tecnologia é proporcionar um treino intensivo, repetitivo e orientado para tarefas, principalmente para membros superiores ou inferiores, o que representa um aspecto importante para a neurorreabilitação quanto ao controle das variáveis intensidade e frequência da dosagem terapêutica efetiva clinicamente. Além do feedback necessário para a execução correta da tarefa em lesões e/ou disfunções que afetam a memória operacional (esboço visuoespacial) e impedem o sequenciamento correto do movimento, por exemplo (Tieri et al., 2018).

Atualmente, existem muitos dispositivos-robôs que têm sido utilizados na neurorreabilitação.  A título de exemplo, as tecnologias robóticas que foram combinadas com ambientes virtuais para reabilitação da marcha e os seus efeitos potencializados com a combinação de técnicas tradicionais da fisioterapia, RV e robôs (Tieri et al., 2018):

a.   Os efeitos em pacientes com Acidente Vascular Encefálico – AVE com o sistema de reabilitação de tornozelo Rutgers, por meio de robô + RV: os pacientes submetidos apresentaram melhor evolução na capacidade de caminhar (ou seja, velocidade e distância percorrida). Ainda, efeitos positivos da RV na marcha também foram obtidos por meio do treinamento de marcha assistida por robô, onde foi utilizada a versão moderna Lokomat (Lokomat-Pro, (Hocoma Inc., Volketswil, Suíça), ou seja, um dispositivo robótico composto por (i) uma órtese motorizada capaz de guiar os movimentos do joelho e tornozelo, enquanto o paciente caminha em uma esteira, combinada com (ii) uma tela para exibição de um ambiente virtual não imersivo capaz de fornecer feedback interativo e direto ao paciente durante a caminhada (Tieri et al., 2018).

b.  Os efeitos em pacientes com esclerose múltipla com deficiência de locomoção: Os pacientes submetidos ao treinamento de marcha assistida por robô tiveram bons resultados funcionais, mas aqueles que realizam RV tiveram melhores resultados, incluindo evolução do equilíbrio (Tieri et al., 2018).

c.   Os efeitos em pacientes com hemiparesia crônica: Evidências mostraram que a RV induziu uma evolução na marcha e no equilíbrio e, mais importante, os resultados do Eletroencefalografia-EEG mostraram que o uso da RV sugeriu melhorar o desempenho motor ativando áreas fronto-parieto-occipitais do cérebro envolvidas no planejamento motor e aprendizado (Tieri et al., 2018).

Assim, essas evidências sugerem que o uso de feedback 2D VR desempenha um papel fundamental na dinamização do tratamento. Além de permitir o recrutamento da abordagem top-down e aumentar a participação ativa do paciente que é um facilitador do resultado positivo da neurorreabilitação. Finalmente, outra aplicação promissora que merece ser mencionada vem da pesquisa robótica desenvolvida pelo Laboratório PERCRO de Pisa que implementou e investigou a combinação de um protótipo de exoesqueleto com VR para reabilitação de membros superiores (para mais informações, ver referencias abaixo).

Fonte do texto: Tieri, G., Morone, G., Paolucci, S., & Iosa, M. (2018). Virtual reality in cognitive and motor rehabilitation: facts, fiction and fallacies. Expert Review of Medical Devices, 15(2), 107–117. https://doi.org/10.1080/17434440.2018.1425613

Fonte dos estudos sobre o tema no Laboratório PERCRO de Pisa

Frisoli A, Borelli L, Montagner A, et al. Arm rehabilitation with a robotic exoskeleleton in virtual reality. 2007 IEEE 10th Int. Conf. Rehabil. Robot. ICORR’07; 2007. p. 631–642. 

Frisoli A, Salsedo F, Bergamasco M, et al. A force-feedback exoskeleton for upper-limb rehabilitation in virtual reality. Applied Bionics Biomech. 2009;6:115–126

 

O QUE A VIDA NOS EXIGE É A ADAPTAÇÃO ATIVA E POSITIVA

13 fevereiro, 2022

Uma das características do ser humano é a sua capacidade de fazer projeções de atitudes que venham a tomar. No entanto, a aprendizagem da vida se dá por comportamentos vividos e experimentados e não apenas idealizados. Uma boa metáfora sobre essa aprendizagem é a frase do Hegel: “a coruja de Minerva só levanta voo ao entardecer.”

Não há dúvida, que a inteligência humana colabora com a dura tarefa de viver. Quando se levanta hipóteses possíveis para um comportamento a ser praticado, nos é permitido com isso fazer escolhas que consideramos, logicamente, mais acertadas naquele momento. Evidente, que essa capacidade de projeção se torna restrita, a medida que ela não leva em conta as diversas variáveis da experiência humana, quando em contato com o ambiente em que será praticada. Porém, é neste momento que se apresenta uma outra qualidade do indivíduo capaz de se adaptar: a flexibilidade. Quando ele percebe que a escolha feita por ele, não foi a melhor, quase que instantaneamente ao ato praticado, faz ajustes necessários para uma melhor satisfação dos seus anseios. Logo, mesmo que de maneira precária, a projeção é uma aliada no aprendizado do viver, quando aliada a experiência.

No entanto, para aprender a viver, não existe melhor maneira do que se lançar na vida. É mergulhar e seguir o seu curso. Por mais que especulamos sobre a vida, nunca que a especulação nos permitirá saber, quando o rio da vida passará por um terreno acidentado ou por um precipício e, neste caso, a queda é inevitável, mas o seu curso, para muitos, costuma ser longo, passando por planícies, vales, se encontrando com outros rios até chegar ao oceano, destino de todos os rios. Só que é com a experiência adquirida neste percurso, é que se aprende a viver.

Portanto, a vida não é para ser pensada. O pensamento mata a vida. Ela deve ser saboreada, como se saboreia uma comida, nem sempre ela agradará ao nosso paladar. Mas, paciência, aprender a viver é aprender que a vida tem diversos sabores, a maior parte dela é mesmo azeda e amarga. É possível sonhar que ela possa ser doce, mas é um desejo, muitas vezes abortado pelas circunstâncias da existência. Viver dá trabalho, nos desgasta e nos faz sofrer, mas vale muito a experiência, "apesar de..." como escreveu Clarice Lispector.

 

HIPERFOCO NO DOMÍNIO ATENCIONAL

22 dezembro, 2021

O hiperfoco é um fenômeno que reflete a completa absorção de uma pessoa numa tarefa, a tal ponto que a pessoa parece ignorar completamente ou 'desligar' todo o resto. Sendo que na literatura psiquiátrica o termo frequentemente utilizado é o hiperfoco e na literatura relacionada ao campo da psicologia positiva o termo é fluxo, apesar da fenomenologia ser quase idêntica. Logo, a literatura de fluxo pode ser usada como uma estrutura para entender o hiperfoco.

Geralmente, o hiperfoco ocorre quando uma pessoa está engajada numa atividade particularmente divertida ou interessante. Um exemplo de hiperconcentração, é quando uma criança fica envolvida em um videogame a ponto de não ouvir os pais chamando pelo seu nome. 

Embora, a maioria das pessoas neurotípicas relatem ter experimentado um estado semelhante ao hiperfoco, em algum momento de sua vida, ele é mais frequentemente mencionado em quadros clínicos de autismo, esquizofrenia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - condições que têm consequências nas habilidades de atenção.

Assim, em termos técnicos, a hiperfocalização se caracterizada por concentração intensa em atividades interessantes e não rotineiras acompanhada por percepção temporariamente diminuída do ambiente.

Por certo, há quatro características gerais ou critérios de hiperfoco que são relatados de forma consistente:

I.   O hiperfoco é caracterizado por um intenso estado de concentração/foco.

II. Quando as pessoas estão envolvidas tarefas de hiperfoco, estímulos externos não relacionados não parecem ser percebidos conscientemente; às vezes relatado como uma percepção diminuída do ambiente.

III.  Para se engajar no hiperfoco, a tarefa deve ser divertida ou interessante.

IV.  Durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.

Por sua vez, as condições para entrar no hiperfoco incluem:

·  desafios percebidos, ou oportunidades de ação, que aumentam, mas não superam as habilidades existentes;

·  objetivos proximais claros e feedback imediato sobre o progresso que está sendo feito.

Nessas condições, a experiência se desdobra perfeitamente de momento a momento e a pessoa entra num estado subjetivo com as seguintes características:

·  concentração intensa e focada no momento presente;

·  fusão de ação e consciência;

·  perda de autoconsciência reflexiva (isto é, perda de consciência de si mesmo como ator social);

· uma sensação de que se pode controlar as próprias ações; isto é, a sensação de que podemos, em princípio, lidar com a situação porque sabemos como responder a tudo o que acontece a seguir;

·  distorção da experiência temporal (normalmente uma sensação de que o tempo passou mais rápido do que o normal);

·  a experiência da atividade como intrinsecamente gratificante, de forma que muitas vezes o objetivo final é apenas uma desculpa para o processo.

 

Portanto, o fluxo indica ser mais alto quando há igualdade entre a dificuldade e a habilidade percebida da tarefa pelos executores (denominado compatibilidade habilidades-demanda). Neste caso, um exemplo numa tarefa de baixa importância e capaz de levar ao fluxo é o videogame pac-man para alguns indivíduos. Desta maneira, o fluxo alto se manifesta em tarefas fáceis e com compatibilidade de demanda de habilidades, em comparação de quando a tarefa é difícil. Já no quesito motivação para realização de uma tarefa, é comum que as pessoas motivadas por sua 'esperança de sucesso', em comparação às com 'medo do fracasso’, as primeiras tendem a potencializar o fluxo durante a tarefa.

 

Assim, o aumento da importância percebida da tarefa tem potencial de aumentar a motivação do sujeito para se engajar nela e, subsequentemente, moderar as condições sob as quais o fluxo foi alcançado.

 

Em termos de fluxo, a “experiência da atividade como intrinsecamente gratificante”, pode ser um dos critérios para entrar em um estado de fluxo, ao invés de um efeito desses estados. Isso sugere que envolver o hiperfoco requer o envolvimento de tarefas, o que seria simplesmente mais comum durante tarefas divertidas ou interessantes.

 

Em relação ao desempenho, o fluxo produz uma execução inerentemente alta. Por exemplo, na execução de uma tarefa em três condições experimentais distintas: tédio, ajuste e sobrecarga, foi visto que na condição de ajuste, observou-se um estado de fluxo, enquanto na condição de sobrecarga e tédio não. Por exemplo:

a) Na condição de tédio, foram feitas perguntas muito fáceis ao longo dos blocos.

b) Na condição de ajuste (ou adaptativo), as dificuldades das questões foram adaptadas com base no desempenho (quando se acertava uma questão, a próxima era mais difícil; quando errava, a próxima era mais fácil).

c) E na condição de sobrecarga, a dificuldade das questões foram consistentemente muito difíceis para os sujeitos ao longo dos blocos.

 

E o mais interessante, visto neste experimento, é que foi apurado um aumento do estresse na condição de sobrecarga, já que os indivíduos estavam lutando para ter sucesso, mas também na condição de ajuste, com os mesmos valores da condição de sobrecarga. Desta maneira, as experiências de fluxo podem ser consideradas como envolvendo tensão excessiva e carga mental de uma perspectiva fisiológica.

 

Resumindo, a definição operacional para quatro características distintas e testáveis ​​do hiperfoco são:

(1) o hiperfoco é induzido pelo engajamento da tarefa;

(2) o hiperfoco é caracterizado por um estado intenso de atenção sustentada ou seletiva;

(3) durante um estado de hiperfoco, há uma percepção diminuída de estímulos não relevantes para a tarefa; e

(4) durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.

 

Fonte: Ashinoff, B. K., & Abu-Akel, A. (2021). Hyperfocus: the forgotten frontier of attention. Psychological research, 85(1), 1–19. https://doi.org/10.1007/s00426-019-01245-8

 

A SUA CRIANÇA PASSA POR MUDANÇAS EXTREMAS DE HUMOR E COMPORTAMENTO?

5 dezembro, 2021
Algumas crianças e adolescentes com esses sintomas podem ter transtorno bipolar, um transtorno cerebral que causa mudanças incomuns no humor, energia, níveis de atividade e funcionamento diário. Com o tratamento, crianças e adolescentes com transtorno bipolar podem melhorar com o tempo.

Os episódios de humor no transtorno bipolar incluem emoções intensas, juntamente com mudanças significativas nos hábitos de sono, níveis de atividade, pensamentos ou comportamentos. Uma pessoa com transtorno bipolar pode ter episódios maníacos, episódios depressivos ou episódios “mistos”. Quer isto dizer que, um episódio misto apresenta sintomas maníacos e depressivos. Esses episódios de humor causam sintomas que geralmente duram vários dias ou semanas. Por conseguinte, durante um episódio, os sintomas duram todos os dias no decorrer da maior parte do tempo.

A saber, essas mudanças de humor e de atividade são muito diferentes do comportamento normal da criança e do comportamento de crianças e adolescentes saudáveis.

Em síntese, crianças e adolescentes tendo um episódio maníaco podem:

✔Mostrar intensa felicidade ou tolice por longos períodos de tempo.
✔Ter um temperamento do tipo pavio curto ou parecer extremamente irritado(a).
✔Falar rápido sobre muitas coisas diferentes.
✔Ter dificuldade para dormir, mas não se sentir cansado(a).
✔Ter dificuldade em manter o foco e indicar pensamentos acelerados.
✔Parecer excessivamente interessado(a) ou envolvido(a) em atividades prazerosas, mas arriscadas.
✔Fazer coisas arriscadas ou imprudentes que demonstram falta de discernimento.

De outro modo, crianças e adolescentes tendo um episódio depressivo podem:

✔Sentir tristeza frequente e não provocada.
✔Mostrar maior irritabilidade, raiva ou hostilidade.
✔Reclamar muito de dores, como dores de estômago e de cabeça.
✔Ter um aumento perceptível na quantidade de sono.
✔Ter dificuldade de concentração.
✔Sentir-se sem esperança e sem valor.
✔Ter dificuldade em se comunicar ou manter relacionamentos.
✔Comer muito ou pouco.
✔Ter pouca energia e nenhum interesse nas atividades de que costumam gostar.
✔Pensamento de morte ou pensamentos suicidas.

Com o tratamento, crianças e adolescentes com transtorno bipolar podem melhorar com o tempo. 

FONTE DE TEXTO ORIGINAL NESTE LINK
 

O CÉREBRO E A DOR

5 dezembro, 2021

Por Juno DeMelo

(texto adaptado)

Pelo New York Times


A discussão sobre os fatores emocionais no desencadeamento da dor crônica não é nova. Recentemente, o jornal New York Times discutiu o assunto, por meio da reportagem de Juno DeMelo. Ele conta a sua história na busca de um tratamento para uma dor crônica em dois momentos e entrelaça essa experiência com as discussões no universo científico sobre o tema.  

Ele inicia a discussão com o livro Free Yourself From Back Pain, um best-seller de 1991, que afirma que, para distrair um sofredor de ansiedade reprimida, raiva ou sentimentos de inferioridade, o cérebro cria dores no pescoço, ombros, costas e nádegas, diminuindo assim o fluxo sanguíneo para os músculos e nervos. O autor do livro, John Sarno, era um médico em reabilitação da Universidade de Nova York.

De acordo com Sarno, quase todas as dores crônicas são causadas por emoções reprimidas. E ao fazer psicoterapia ou escrever sobre essas dores, as pessoas seriam curadas sem medicação, cirurgia ou exercícios especiais.

Consequentemente, pela lógica metódica da teoria de Sarno, a dor emocional causa dor física. E, embora, a dor não se originasse de um andar peculiar ou de uma posição inadequada ao dormir, ela seria real. Entretanto, ninguém na comunidade médica pareceu concordar com Sarno, já que ele não tinha estudos para demonstrar os efeitos clínicos de seu programa. Contudo, não podiam também negar que funcionava para alguns de seus pacientes ou conhecedores de seu livro. Esses, depois de exorcizar num diário os seus sentimentos negativos, por um tempo, apareciam curados.

A DOR GERALMENTE COMEÇA NO CÉREBRO

"A ideia de que uma proporção substancial de pessoas pode ser ajudada repensando as causas de sua dor é agora prevalente", segundo Tor Wager, professor de neurociência no Dartmouth College e diretor de seu Laboratório de Neurociência Cognitiva e Afetiva. "Entretanto, isso é diferente da ideia de que seu relacionamento não resolvido com sua mãe se manifesta como dor." Desta forma, a maioria dos cientistas agora acreditam que a dor nem sempre é algo que começa no corpo e, seja percebida pelo cérebro. Assim, pode não ser uma doença em si, ou seja, de origem biológica.

Uma vez que, cerca de 85% das dores nas costas e 78% das dores de cabeça não têm um gatilho identificável, embora a maioria dos cientistas não afirmem que toda a dor crônica seja puramente psicológica. Já que existem também razões sociais e biológicas para a dor. Logo, para a maioria das pessoas, a dor é uma confluência dos três, conforme argumenta Daniel Clauw, professor de anestesiologia, medicina e psiquiatria da Universidade de Michigan e diretor de Centro para Dor Crônica e Pesquisa de Fadiga. Ademais, para Clauw, há muitas pessoas para as quais o método de Sarno não iria funcionar.

Atualmente, uma abordagem semelhante ao método de Sarno é a teoria da consciência e da expressão emocional, na qual os pacientes identificam e expressam as emoções que têm evitado. Essa teria não apenas demonstrou reduzir significativamente a dor em pessoas com fibromialgia e dor musculoesquelética crônica , como também é considerada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA como uma das melhores práticas para o tratamento da dor crônica (junto com massagem e terapia cognitivo-comportamental )

A DOR PODE TER VIDA PRÓPRIA

Contudo, como o cérebro causa dor crônica em primeiro lugar? A teoria de Sarno de que nosso cérebro usa a dor para nos distrair das emoções negativas, cortando o fluxo sanguíneo para os músculos, não é apoiada pela ciência, de acordo com Wager. Em vez do fluxo sanguíneo, os cientistas agora olham para o sistema nervoso para entender a dor crônica que não é causada por danos nos nervos ou tecidos. Basicamente, nesses casos, os circuitos cerebrais funcionam mal, prolongando, amplificando e até criando a dor.

SEIS DICAS PARA TRATAR A DOR CRÔNICA


1. Compreenda: para quem a experimenta cronicamente, a dor é sua própria doença, não apenas um sintoma. Os estudos indicam que pode ser causada pelo desequilíbrio das células nervosas especializadas.

2. O exercício físico ajuda: se você tem dor crônica, pode continuar se exercitando. E, em muitos casos, pode ajudar a  reduzir a sensação de desconforto e aumentar o limiar de dor.

3. Controle a dor desde a fonte: embora a dor crônica seja uma doença, você tem muito poder sobre ela e pode voltar para sua mente para começar a encontrar alívio. O que pode lhe ajudar? Mantenha um diário para expressar seus sentimentos.

4. Reformule seus pensamentos: os especialistas estão descobrindo que os psicólogos da dor podem ajudá-lo a mudar a maneira como o cérebro processa a dor .

5. Use uma linguagem descritiva útil: usar metáforas ou outras linguagens para falar sobre sua dor pode realmente mudar o quanto você sente . Por exemplo, falar abertamente do desconforto que sua dor lhe provoca pode ser mais benéfico do que usar palavras substitutas.

6. Encontre uma equipe: em um mundo ideal, os médicos saberiam como tratar doenças crônicas como a dor. No mundo real, você pode ter que procurar ativamente a equipe de atendimento para você.


Na prática, Wager diz que não entendemos totalmente os mecanismos disso, mas "sabemos que os estressores podem promover inflamação na medula espinhal e no cérebro, que estão ligados ao aumento das sensações de dor." As adversidades iniciais, como abuso infantil, dificuldades financeiras, violência e negligência, também foram associadas à dor crônica.

Além do mais, para complicar ainda mais as coisas: a dor pode gerar mais dor. Por exemplo, uma lesão pode aumentar o volume de sua resposta à dor a lesões futuras. O estresse pode fazer com que a dor se prolongue por muito tempo após a cicatrização da lesão. E se suas costas doem e você começa a imaginar todas as maneiras como isso poderia piorar, esse medo pode aumentar sua dor, o que pode levá-lo a evitar atividades físicas, tornando a dor ainda pior. Os especialistas chamam isso de ciclo da dor.

Nesse caso, a ideia de Sarno de que o cérebro provoca dor estava parcialmente correta. A pesquisa mostra que a catastrofização pode transformar a dor aguda em dor crônica e aumentar a atividade em áreas do cérebro relacionadas à antecipação e atenção à dor. Essa é uma das razões pelas quais os médicos estão começando a tratar os distúrbios dolorosos de maneira semelhante, por exemplo, aos distúrbios de ansiedade, incentivando os pacientes a se exercitarem para que possam superar o medo de se movimentarem. Enquanto um paciente com ansiedade social pode dar pequenos passos para falar com estranhos, por exemplo, um paciente com dor nas costas pode começar a correr ou andar de bicicleta.

VOCÊ PODE ENCONTRAR O INTERRUPTOR DE ELIMINAÇÃO

O resultado final, de acordo com Howard Schubiner, um aprendiz de Sarno, é que "toda dor é real e toda dor é gerada pelo cérebro". Schubiner é atualmente diretor do Programa de Medicina do Corpo Mente em Southfield, Michigan, e professor clínico da Faculdade de Medicina Humana da Universidade Estadual de Michigan.

Qualquer que seja, a dor desencadeada por estresse ou lesão física, o cérebro gera as sensações. E - este é um conceito incrível - você não apenas reflete o que sente, você decide se liga ou desliga a sua dor.

No final, Sarno acertou ao afirmar que os exercícios ajudam na recuperação quanto a relação entre a dor emocional e a física. Entretanto, errou por não considerar que nem toda dor crônica é psicológica. O tratamento Freudiano de Sarno está longe de ser o único que funciona. E, poucos cientistas diriam que nosso cérebro usa a dor para nos distrair das emoções negativas (e definitivamente jamais afirmariam algo do tipo como cortando o fluxo sanguíneo para os músculos).

Fontes da reportagem neste link

 

O RECURSO DA ESCRITA EXPRESSIVA NA SAÚDE FÍSICA E PSICOLÓGICA DE PACIENTES ONCOLÓGICOS

27 outubro, 2021

O diagnóstico de câncer é um evento estressante e potencialmente traumático e, mesmo após o tratamento bem-sucedido, os efeitos relacionados podem continuar a ser uma fonte de sofrimento específico.

Efetivamente, expressar e manifestar pensamentos e sentimentos são considerados aspectos centrais da psicoterapia, e há evidências que sugerem que intervenções expressivas potencializam para que esses pacientes possam expressar seus pensamentos e emoções relacionadas ao câncer. O efeito, que ainda carece de melhores estudos, é a melhoria nos resultados da saúde física e psicológica.

Consequentemente, a vontade, a capacidade e a oportunidade de expressar preocupações e emoções relacionadas ao câncer - ou a falta delas - podem influenciar a previsão de pacientes com estresse associado à doença e ao tratamento. Daí que tal situação pode ter consequências não apenas para a saúde psicológica do paciente, mas também nos resultados da sua saúde física, incluindo o prognóstico.

Por sua vez, um modo de expressão emocional ligado a resultados benéficos para a saúde é a escrita. Desta forma, as primeiras pesquisas de Pennebaker et al. (1986) descobriu que para o início de efeito clínico da escrita expressiva deve ter intensidade de 15-20 minutos, com a frequência de 3 dias sobre emoções associadas a um evento traumático. Essa estratégia indica potencial clínico quanto a melhorias na saúde psicológica e biológica de pacientes oncológicos.

É importante ressaltar que nem todos os pacientes são elegíveis para se beneficiarem com o uso da técnica. Por exemplo:

a) os efeitos da expressão emocional são dependentes do contexto, ou seja, há efeitos diferentes entre os pacientes, dependendo da disponibilidade percebida de suporte emocional por eles. Para tanto, os pontos abaixo são fundamentais para a indicação ou não da técnica:

  • a flexibilidade expressiva, ou seja, a capacidade de regular a amplitude da emoção, uma vez que essa regulação é indicada como associada ao ajuste psicológico de longo prazo.

  • indivíduos de forma geral gerenciam suas emoções de maneiras diferentes, dependendo do nível de intensidade, isso sugere que pode ser adaptativo para envolver e desligar as emoções, dependendo do contexto.

  • por exemplo, pacientes com baixos níveis de suporte emocional ou altos níveis de restrições sociais experimentadas são mais propensos a se beneficiarem da escrita expressiva de pacientes com altos níveis de suporte emocional.

  • uma escrita expressiva é relativamente eficaz para participantes com baixo índice de evitação, enquanto uma redação mais positiva com foco na descoberta de benefícios indica ser mais eficaz para mulheres com alto índice de evitação.

  • a escrita expressiva, em comparação com a escrita neutra, teve sucesso em induzir os breves aumentos no humor negativo, geralmente associados à revelação emocional

Embora a escrita expressiva não pareça funcionar bem para todos os pacientes oncológicos, dado ser uma intervenção muito prática e barata, mesmo com pequenos efeitos em subgrupos de pacientes, ela é indicada ser clinicamente relevante. Uma vez que há apelos em estudos de efeitos para níveis de angústia pré-intervenção e fatores dependentes do contexto, como suporte emocional.

A associação da escrita expressiva com outras abordagens, por exemplo, instrução aos participantes a se concentrarem na descoberta de benefícios, intervenções multimodais combinando 'expressões saudáveis' verbais e escritas ou ajudando os outros, também são úteis.

Fontes:

Pennebaker JW, Beall SK. Enfrentando um evento traumático: rumo à compreensão da inibição e da doença. J Abnorm Psychol 1986;95(3):274–281.

Zachariae, R., & O'Toole, MS (2015). O efeito da intervenção escrita expressiva nos resultados de saúde psicológica e física em pacientes com câncer – uma revisão sistemática e meta-análise. Psico-oncologia, 24(11), 1349–1359. https://doi.org/10.1002/pon.3802

 

DUAS VEZES EXCEPCIONAIS (2E)

16 outubro, 2021

Uma das correntes em desenvolvimento de pensamento, pesquisa e prática no campo da superdotação é a exploração da co-ocorrência, distribuição e etiologia de dons (talentos) e deficiências. Cresce a consciência de que existe um grupo substancial de crianças que preenchem as qualificações para serem “duas vezes excepcionais” (2e), nomeadamente, crescer com capacidades e deficiências excepcionais em simultâneo (Grigorenko, 2020).

Para ficar dentro do contexto 2e, existe um subgrupo com transtornos de desenvolvimento do comportamento e um subgrupo com dons (talentos), e que esses grupos podem se sobrepor. Como esse grupo de co-ocorrência não foi bem pesquisado, a maioria das fontes de evidências que confirmam sua existência são complementares (Grigorenko, 2020).

Embora tenha havido um fluxo consistente de relatos sobre a co-ocorrência de dons (talentos) e deficiências em crianças com necessidades especiais, que remonta à cristalização dos diagnósticos relevantes, só recentemente ficou claro que essas co-ocorrências não se limitam a um transtorno do neurodesenvolvimento particular, como o Transtorno do Espectro do Autismo ou Distúrbios de Aprendizagem Específicas, mas são fenômenos que foram observados em deficiências de desenvolvimento em geral (Grigorenko, 2020).

No entanto, em grande parte devido às trajetórias de desenvolvimento paralelas, em vez de entrelaçadas, dos campos de estudos sobre dons (talentos) e deficiências de desenvolvimento, os relatórios publicados dessas co-ocorrências não foram volumosos (Grigorenko, 2020).

No século XXI, essas trajetórias têm se tornado mais próximas e mais conectadas, especialmente após a re-autorização de 2004 da Lei de Melhoria da Educação de Indivíduos com Deficiências nos EUA, IDEIA (Lei de Melhoria da Educação de Indivíduos com Deficiências, 2004), que reconheceu formalmente os alunos 2e.

Ainda, o mais importante, não existe uma definição única de status 2e. Ao contrário, há muita discussão na literatura sobre como essa condição deve ser definida. Uma definição de trabalho alcançou um consenso substancial, entre as 26 organizações que apoiam as necessidades de pesquisa e educação dos alunos 2e: “Indivíduos duas vezes excepcionais evidenciam capacidade e deficiência excepcionais, o que resulta em um conjunto único de circunstâncias. Sua habilidade excepcional pode dominar, escondendo sua deficiência; sua deficiência pode dominar, escondendo sua habilidade excepcional; cada uma pode mascarar a outra para que nenhuma seja reconhecida ou diagnosticada”.

A definição de superdotação (talento) utiliza a acepção desenvolvida pela National Association for Gifted Children, ou seja, “superdotados são aqueles que demonstram níveis excepcionais de aptidão (definido como uma capacidade excepcional de raciocinar e aprender) ou competência (desempenho ou realização documentada entre os 10% melhores da população geral) em um ou mais domínios. Os domínios incluem qualquer área estruturada de atividade que tenha seu próprio sistema de símbolos (por exemplo, matemática, música, linguagem) e/ou conjunto de habilidades sensório-motoras (por exemplo, pintura, dança, esportes).

Fonte:

Grigorenko, E. L. (2020). Twice Exceptional Students: Gifts and Talents, the Performing Arts, and Juvenile Delinquency. New Directions for Child and Adolescent Development, 2020(169), 59–74. https://doi.org/10.1002/cad.20326

 

A INTERVENÇÃO NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL -DI POR MEIO DO PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL – PEI: NÃO HÁ MOTIVOS PARA JOGÁ-LO AO LIMBO DO ESQUECIMENTO

7 outubro, 2021

Em 1983, Bradley (1983) revisou os estudos israelenses e americanos para determinar algo parecido com o que discutimos em terminologias atuais quanto ao grau de evidência de recomendações do Programa de Enriquecimento Instrumento (PEI)  quanto ao seu efeito clínico nas modificações de estruturas cognitivas de adolescentes com Deficiência Intelectual (DI).  O autor argumenta que embora a pesquisa tenha produzido alguns resultados estatisticamente significativos em favor do grupo do PEI, a importância dessas descobertas seria questionada com base em falhas no projeto da pesquisa, na magnitude relativamente sem importância das diferenças médias que foram relatadas como significativas e, na deficiência quanto mudanças de pontuação em medidas de capacidade cognitiva para se refletir no desempenho escolar.

Consequentemente, ele conclui que as alegações de que a pesquisa leva "apoio substancial" à eficácia do PEI deveriam ser rejeitadas.

E foram rejeitadas já por quase 38 anos! E o instrumento jogado ao limbo do esquecimento! No seu lugar não foi incorporado nenhum outro produto com o seu potencial. A exceção são os trabalhos nos campos da inteligência e da deficiência intelectual de J.P. Das (Jagannath Prasad Das), esse também desconhecido pelos neuroreabilitadores atuais.

E adversamente, o foco nos últimos anos das pesquisas quanto a intervenção em DI se voltou para as questões motoras e funcionais, apesar de com problemas sérios também no desenho de pesquisa e preteriu os aspectos cognitivos primários da condição clínica, como o raciocínio, ou em especial a terceira unidade funcional de A. R. Luria (1973), acoplada com a etapa de elaboração de Feuerstein.

Com certeza, a posologia errada junto com designer de pesquisa desastroso não invalida inicialmente o recurso. As falhas apontadas por Bradley (1983) são sem dúvidas relevantes. Entretanto, a julgar a vanguarda de suas críticas ao instrumento, o mais sensato seria modificar e aprimorar a metodologia de pesquisa e, não desconsiderar o instrumento em si, conforme autor sinaliza em seu estudo quanto a necessidade de ajuste nas futuras investigações, mas não o seu abandono.

Efetivamente, o PEI despertou muita atenção e interesse nas últimas décadas do século passado, como um modelo para diagnosticar e intervir nos déficits cognitivos de crianças com DI. E atualmente, há uma urgência no seu resgaste com fundamentação empírica.

O PEI é um modelo criado por Reuven Feuerstein para avaliação dinâmica e instrução de desempenho aplicado, entre outras condições clínicas, em deficientes intelectuais. A atenção e o interesse são bem-merecidos porque, se as reivindicações feitas por esse modelo forem apoiadas por um corpo de pesquisas com designer adequado, as ramificações enviarão ondas de choque por todo o mundo da neuroreabilitação e da educação especial (Bradley, 1983).

Por exemplo, se os profissionais da saúde e educação podem avaliar a natureza dos déficits cognitivos específicos que prejudicam o funcionamento intelectual de uma criança; se essa avaliação leva a um programa eficaz de intervenção cognitiva e; se os efeitos desse programa corretivo são duráveis ​​e generalizam-se para outras atividades de vida-diária e instrumental além do treinamento tarefas; não há dúvidas de que o campo da saúde cognitiva enfrentará a necessidade de mudanças perturbadoras (Bradley, 1983).

Em nossa clemência por aqueles a quem estamos comprometidos em tratar, todos queremos acreditar que o modelo de Feuerstein para modificabilidade cognitiva tem, ou irá, em breve adquirir aquele grau de suporte empírico necessário para recomendar sua adoção generalizada. (Bradley, 1983).

Fonte:

Bradley, T. B. (1983). REMEDIATION OF COGNITIVE DEFICITS: A CRITICAL APPRAISAL OF THE FEUERSTEIN MODEL*. Journal of Intellectual Disability Research, 27(2), 79–92. https://doi.org/10.1111/j.1365-2788.1983.tb00281.x

 

ESTRATÉGIAS DE NEUROREABILITAÇÃO DOS TRANSTORNOS ESPECÍFICO DE APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

6 setembro, 2021

A base de evidências para intervenções em pessoas com Distúrbio Específico de Aprendizagem - DEA é forte, refletindo o acúmulo de evidências de grandes ensaios clínicos randomizados (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Por sua vez, as intervenções acadêmicas são terapias cognitivas complexas que envolvem mais do que simplesmente encorajar as crianças a se envolverem. Para aqueles que estão lutando para aprender a ler, escrever e compreender textos e cálculos, a instrução deve ser explícita. Isso significa que o professor, por exemplo, envolve propositalmente e intencionalmente o aluno no material a ser aprendido, com explicações diretas, modelagem de habilidades com estratégias e oportunidades de prática supervisionada (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Quanto ao domínio da automatização das tarefas, a prática acelerada é melhor do que a prática não cronometrada, junto com o engajamento estruturado em experiências autênticas que apoiam a prática em leitura, matemática e escrita. E mais, as intervenções abrangentes que incorporam múltiplas práticas de ensino são mais eficazes do que abordagens focadas em habilidades (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Assim, as crianças com dificuldades no nível das palavras precisam de programas que não apenas ensinem a decodificação, mas também se concentrem na compreensão e na automatização das tarefas (Fletcher & Grigorenko, 2017).

As crianças aprendem tanto sobre fatos matemáticos se praticarem sistematicamente por um curto período dentro do contexto de uma abordagem de resolução de problemas, quanto quando ensinadas como uma habilidade isolada. O segredo é que a instrução seja explícita, diferenciada e acordo com os pontos fortes e fracos nos domínios acadêmicos e treinadas com intensidade suficiente em relação à gravidade do problema acadêmico. As intervenções mais eficazes também incorporam uma autorregulação dos componentes que trata da atenção e das dificuldades organizacionais experimentadas por muitos com DEA (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Do mesmo modo, as intervenções ineficazes envolvem abordagens que não são explícitas, muitas vezes baseadas em abordagens construcionistas de descoberta. Além disso, a instrução deve se concentrar no conteúdo acadêmico. As intervenções que treinam habilidades isoladas, como memória operacional, processamento auditivo e visual de baixo nível ou outras intervenções não acadêmicas baseadas na modulação cerebral ou visual, não se generalizam para o domínio acadêmico (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Uma das principais questões dos estudos neurobiológicos é a extensão da plasticidade nas redes neurais que modulam a leitura e a matemática. Existem mais de 20 estudos que combinam neuroimagem funcional antes e depois da intervenção de leitura, e alguns estudos em matemática. Na leitura, os estudos mostram uma maleabilidade significativa em crianças que respondem à intervenção, com alterações essencialmente normalizadas refletindo o aumento da ativação dos sistemas dorsal e ventral dependendo da tarefa e (provavelmente) da intervenção. Essas mudanças são mantidas em acompanhamentos de 1 ano. Após a intervenção na matemática, ocorre ativação reduzida e uma rede neural melhor organizada, com redução da hiperconectividade é aferida nos estudos (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Essas indicações de plasticidade facilitam a interpretação de um achado fundamental da pesquisa de intervenção: os melhores resultados estão associados a intervenções precoces. Quando as crianças são identificadas com dificuldades básicas de leitura e matemática no início do desenvolvimento (antes da 3ª série), os esforços de intervenção levam a uma maior automaticidade. Com esforços corretivos posteriores, a automatização é difícil de alcançar, possivelmente porque os sistemas ventrais precisam de considerável exposição explícita para imprimir e processar padrões ortográficos rapidamente. Sem essa capacidade, a pessoa lê de forma lenta e ineficiente, com atenção excessiva à leitura de palavras, o que prejudica o acesso ao sentido do texto (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Fonte:

Fletcher, J. M., & Grigorenko, E. L. (2017). Neuropsychology of Learning Disabilities: The Past and the Future. Journal of the International Neuropsychological Society, 23(9–10), 930–940. https://doi.org/10.1017/S1355617717001084

 

TENHO QUE FAZER UMA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA MESMO APÓS FAZER UM EXAME DE IMAGEM CEREBRAL?

5 setembro, 2021

Sim, pois o estudo da função cerebral na saúde ou doença requer a integração de dados comportamentais e neurofisiológicos. Os exames de imagens fornecem os dados neurofisiológicos, mas não os comportamentais. Por esse motivo, a necessidade da avaliação neuropsicológica (ROALF; GUR, 2017).

Clinicamente, o potencial é incomensurável para que a Imagem de Ressonância Magnética  funcional - fMRI se torne parte integrante da prática clínica da neuropsicologia.  Atualmente, a fMRI clínica tem duas aplicações principais(ROALF; GUR, 2017):  

  • a geração de biomarcadores não invasivos da função cerebral para a classificação e monitoramento de pacientes neurológicos e psiquiátricos, e
  • planejamento pré-cirúrgico em cirurgias que podem afetar áreas motoras, de linguagem e de memória.

Outra contribuição entre esses dois exames é a incorporação da análise de rede na neuropsicologia via a fMRI. A cognição humana adulta é apoiada por sistemas de regiões cerebrais, ou módulos, que são funcionalmente coerentes em repouso e ativados coletivamente por requisitos de tarefas distintos. Várias redes fundamentais em estado de repouso foram descobertas pela junção desses campos, incluindo as redes somatossensoriais e redes de modo padrão. A elucidação das redes de estado de repouso envolvidas na atenção e cognição é talvez ainda mais relevante para a neuropsicologia. Isso inclui as redes de atenção dorsal e ventral; o primeiro envolvido no controle executivo da atenção, enquanto o último auxilia na detecção de pistas salientes. Além disso, a rede de controle frontoparietal e a rede cingulo-opercular parecem estar envolvidas em funções de ordem superior, como tomada de decisão e execução de tarefas direcionadas a objetivos, respectivamente (ROALF; GUR, 2017)

Consequentemente, as flutuações espontâneas na atividade cerebral aparentemente servem para organizar, coordenar e manter sistemas cerebrais funcionais e auxiliar no processamento de informações. Uma compreensão de como a formação desses módulos apoia a evolução das capacidades cognitivas pode ser alcançada aplicando métodos da teoria dos grafos, projetados para caracterizar padrões de conectividade. As regiões do cérebro são definidas como nós e as conexões entre elas como “bordas”. A teoria dos grafos pode usar qualquer medida que defina a força da conectividade entre os nós, como correlações de séries temporais de flutuações de sinal, para construir um modelo de conectividade geral e regional (ROALF; GUR, 2017)

Do mesmo modo, essa abordagem tem sido útil para medir a plasticidade dos sistemas cognitivos durante o treinamento cognitivo, estudando mudanças no desenvolvimento e relacionadas à idade nas redes neurais; e na diferenciação de indivíduos com distúrbios neurológicos e neuropsiquiátricos de indivíduos saudáveis (ROALF; GUR, 2017)

A melhoria no desempenho cognitivo é uma pedra angular da neuropsicologia e estudos recentes de rsfMRI, em que demonstraram que a experiência repetida com problemas de raciocínio altera a conectividade do cérebro. Especificamente, o treinamento durante um período de três meses alterou a conectividade funcional nos sistemas cerebrais frontoparietal e parietal-estriatal. Mais importante ainda, essas mudanças na conectividade do cérebro foram associadas a melhorias nos testes padronizados. Tal resultado sugere que as abordagens neuropsicológicas podem ter um impacto direto e significativo nos padrões cerebrais individualizados de rsfMRI (ROALF; GUR, 2017)

Num cérebro lesionado ou com disfunção em uma área específica requer a conjunção desses dois exames. No futuro, o profissional neuropsicólogo irá aplicar a sua bateria de testagem computadorizadas baseados na neurociência cognitiva moderna e validados com neuroimagem estrutural e funcional. Logo, esse neuropsicólogo clínico irá acompanhar a entrevista clínica e os exames com uma sessão de fMRI, supervisionada pelo neuropsicólogo, na qual uma bateria computadorizada de exames será administrada ao paciente no scanner. A leitura incluirá de forma mais rápida as informações sobre aberrações em parâmetros cerebrais e redes relacionadas a déficits comportamentais, que serão auxiliados por imagens e gráficos a serem interpretados pelo neuropsicólogo clínico (ROALF; GUR, 2017)


FONTE: ROALF, D. R.; GUR, R. C. Functional brain imaging in neuropsychology over the past 25 years. Neuropsychology, v. 31, n. 8, p. 954–971, nov. 2017.

 

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

5 setembro, 2021

Ao avaliar as habilidades cognitivas, acadêmicas, características comportamentais e fatores contextuais, os neuropsicólogos terão muitas das informações necessárias para identificar e desenvolver planos de tratamento eficazes para às Dificuldades de Aprendizagem.

É bem conhecido que estruturas estáticas para identificar e tratar às Dificuldades de Aprendizagem levam à falta de confiabilidade na identificação dos indivíduos desse grupo clínico. Uma alternativa é o uso da abordagem dinâmica que enfoca a Resposta à Intervenção ao longo do tempo e o uso de critérios adicionais para identificação (baixo desempenho e fatores contextuais). Essa abordagem integra a identificação com a resposta ao tratamento, o que representaria um sistema sequencial no qual os erros de decisão podem ser corrigidos e a intervenção após a triagem é priorizada sobre a identificação.

A avaliação dos pontos fortes e fracos nos domínios de realização é crítica para o ensino diferenciado, junto com a avaliação dos fatores comportamentais que interferem na aprendizagem, como TDAH, ansiedade e motivação. É fundamental que os neuropsicólogos entendam a base neurobiológica das dificuldades de aprendizagem e possam diferenciar uma série de fatores correlacionados que contribuem para esse transtorno. No entanto, no final, o neuropsicólogo deve ser capaz de compreender intervenções eficazes e prescrevê-las com base na gravidade dos pontos fortes e fracos acadêmicos da criança e nos traços comportamentais que podem interferir na aprendizagem, como TDAH, ansiedade e instrução inadequada.

Fonte: Fletcher, J. M., & Grigorenko, E. L. (2017). Neuropsychology of Learning Disabilities: The Past and the Future. Journal of the International Neuropsychological Society : JINS, 23(9-10), 930–940. https://doi.org/10.1017/S1355617717001084

 

A NEURORREABILITAÇÃO COGNITIVA É A PRIMEIRA INTERVENÇÃO ATUAL DE ESCOLHA PARA A ESCLEROSE MÚLTIPLA

5 setembro, 2021

A neurorreabilitação das funções cognitivas em pessoas com Esclerose Múltipla – EM baseia-se numa combinação de abordagens comportamentais (cognitivas e exercícios físicos) e farmacológicas. Entretanto, dada a atual falta de evidências de abordagens farmacológicas e de exercícios físicos, a neuroreabilitação cognitiva é uma intervenção atual de escolha (Benedict et al., 2017).

Consequentemente, a neuroreabilitação é primordial, em função da frequência e gravidade das deficiências cognitivas no EM e do seu impacto na vida cotidiana. Por exemplo, na revisão da Cochrane realizada por Nair, Martin, & Lincoln (2016), foi indicado o efeito clínico significativo da intervenção na memória de curto e longo prazo, acompanhado de melhoria substancial na qualidade de vida desses pacientes (Benedict et al. , 2017).

Outro exemplo, essa de recomendação máxima (classe 1), é a Técnica de Memória de História modificada (mSMT). Uma técnica é projetada para melhorar a aquisição de novo aprendizado. Os resultados indicaram melhorias específicas na aprendizagem, na memória e na vida cotidiana dos pacientes (Benedict et al., 2017).

Do mesmo modo, outras técnicas de modulação da memória têm se mostrado resultados na melhoria da coleta, armazenamento e recuperação de conteúdo mnemônico: a aprendizagem espaçada, a aprendizagem autogerada e a prática de recuperação – ou o efeito de teste (Benedict et al., 2017 ).

Importante ressaltar que não é apenas o domínio mnemônico que é foco de intervenção efetiva. Outros recursos vêm sendo demonstrados como essenciais para modular a atenção, memória operacional e outros subnúcleos das funções executivas (Benedict et al., 2017).

Igualmente, numerosos estudos demonstraram que a reabilitação cognitiva não apenas melhorou as funções cognitivas e a atividade da vida cotidiana, mas também promove mudanças adaptativas na atividade cerebral por meio da neuroplasticidade (Benedict et al., 2017).

Por exemplo, Chiaravalloti et al. que as melhorias cognitivas e comportamentais observadas usando a intervenção comportamental mSMT foram relacionadas ao aumento da atividade em várias redes perigosas, aumento da conectividade funcional no estado de segurança entre o hipocampo e outras estruturas estruturais, e que esses efeitos foram prejudicados no acompanhamento de longo prazo prazo (Chiaravalloti et al., 2020).

Existem agora alguns estudos de pesquisa que mostram mudanças de plasticidade adaptativa semelhantes, observando vários tipos e formas de reabilitação cognitiva em pessoas com EM (Benedict et al., 2017).

Em resumo, diante de resultados mistos, geralmente negativos, de intervenções farmacológicas para melhorar a memória e o exercício físico, embora promissor, seus efeitos definitivos na cognição aguardam novas pesquisas com projetos metodológicos aprimorados, até o momento, as instruções de base cognitiva continuam sendo uma abordagem mais eficaz para tratar o comprometimento cognitivo nesse grupo clínico (Benedict et al., 2017).

FONTES:

Benedict, RHB, DeLuca, J., Enzinger, C., Geurts, JJG, Krupp, LB, Rao, SM, 2017. Neuropsicologia da Esclerose Múltipla: Olhando para Trás e Seguindo em Frente. J. Internacional. Neuropsicológico. Soc. 23, 832–842. https://doi.org/10.1017/S1355617717000959

Chiaravalloti, ND, Moore, NB, DeLuca, J., 2020. A eficácia da técnica de memória de histórias modificada na EM progressiva. Mult. Escler. J. 26, 354–362. https://doi.org/10.1177/1352458519826463

 

TREINAMENTO DE ADAPTAÇÃO DE PRISMA PARA NELIGÊNCIA ESPACIAL

28 agosto, 2021

A neuroreabilitação desempenha um papel importante para a plasticidade neural e recuperação funcional após uma lesão ou disfunção neuropsiquiátrica (Fujiwara et al., 2017). Bem como, em sua aplicação clínica, é um novo arsenal de recursos clínicos que os profissionais da saúde têm para intervir em distúrbios cerebrais incapacitantes, como por exemplo, o Acidente Vascular Encefálico – AVE e a Lesão Cerebral Traumática (Barrett et al., 2013). Essa área é baseada na medicina de reabilitação, neurociência e neurofisiologia (Fujiwara et al., 2017).

Por exemplo, a neuroreabilitação usando a estimulação elétrica neuromuscular controlada por eletromiografia (EMG) para a função motora da extremidade superior, após o AVE, melhorou a função do braço e da mão e pode induzir alteração plástica no interneurônio intracortical e no interneurônio recíproco espinhal. Outro uso demonstrado, é na recuperação funcional induzida pelo exercício após lesão medular. O exercício terapêutico pode induzir a remodelação do músculo esquelético, alteração fisiológica do neurônio motor espinhal e remodelação do córtex motor (Fujiwara et al., 2017).

Do mesmo modo, estudos neurofisiológicos revelaram atividade neural relacionada à redução da velocidade da marcha na doença de Parkinson e recuperação funcional da hemiplegia após AVE (Fujiwara et al., 2017).

Em outras palavras, esse é um paradigma intelectual emergente para recuperação neurológica que inclui regeneração neural, reparo e reorganização dinâmica de sistemas neurais funcionais, bem como o aumento da consciência dos princípios comportamentais que podem modular o retorno e/ou compensação da funcionalidade. Ainda que timidamente, muitos profissionais já vêm ofertando aos sistemas de saúde e aos pacientes tratamentos baseados na aprendizagem dependente da experiência, estimulação neurofisiológica e uma combinação desses conceitos (Barrett et al., 2013).

As intervenções com a neuroreabilitação deflagraram-se a partir do ano 2000, em paralelo com uma mudança no paradigma dos cuidados neurológicos. Em meados do século XX, abandonamos a suposição de que o efeito de uma lesão cerebral, como um AVE; na função, atividade e participação – indicadores ancorados na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida como CIF, seria permanente e nos tornamos cada vez mais conscientes do potencial regenerativo do cérebro, bem como da reorganização dinâmica dele, após meses e até muitos anos depois de um evento traumático. Cientistas de neuroreabilitação vêm mostrando por meio de pesquisas translacionais sob quais condições ocorrem as mudanças e a recuperação ideal do cérebro. Nesses casos, aparentemente, exigindo estimulação intensiva e controlada de redes cerebrais prejudicadas (Barrett et al., 2013).

Um dos principais recursos usados nas demonstrações da plasticidade neural induzida pela neuroreabilitação são as aferições via neuroimagem. Esses estudos vêm revelando novos achados de reorganização cortical após lesão da medula espinhal, paralisia do nervo facial, perda auditiva e exercícios aeróbicos em adultos mais velhos. Logo, as técnicas neurofisiológicas e de neuroimagem avançadas estão fornecendo novos insights sobre a recuperação funcional em distúrbios neurológicos (Fujiwara et al., 2017).

Fontes: 

Barrett, A. M., Oh-Park, M., Chen, P., & Ifejika, N. L. (2013). Neurorehabilitation: Five new things. Neurology: Clinical Practice, 3(6), 484–492. https://doi.org/10.1212/01.CPJ.0000437088.98407.fa

Fujiwara, T., Paik, N.-J., & Platz, T. (2017). Neurorehabilitation: Neural Plasticity and Functional Recovery. Neural Plasticity, 2017, 1–1. https://doi.org/10.1155/2017/3764564

 

NEUROREABILITAÇÃO: PLASTICIDADE NEURAL E RECUPERAÇÃO FUNCIONAL

23 agosto, 2021

A neuroreabilitação desempenha um papel importante para a plasticidade neural e recuperação funcional após uma lesão ou disfunção neuropsiquiátrica (Fujiwara et al., 2017). Bem como, em sua aplicação clínica, é um novo arsenal de recursos clínicos que os profissionais da saúde têm para intervir em distúrbios cerebrais incapacitantes, como por exemplo, o Acidente Vascular Encefálico – AVE e a Lesão Cerebral Traumática (Barrett et al., 2013). Essa área é baseada na medicina de reabilitação, neurociência e neurofisiologia (Fujiwara et al., 2017).

Por exemplo, a neuroreabilitação usando a estimulação elétrica neuromuscular controlada por eletromiografia (EMG) para a função motora da extremidade superior, após o AVE, melhorou a função do braço e da mão e pode induzir alteração plástica no interneurônio intracortical e no interneurônio recíproco espinhal. Outro uso demonstrado, é na recuperação funcional induzida pelo exercício após lesão medular. O exercício terapêutico pode induzir a remodelação do músculo esquelético, alteração fisiológica do neurônio motor espinhal e remodelação do córtex motor (Fujiwara et al., 2017).

Do mesmo modo, estudos neurofisiológicos revelaram atividade neural relacionada à redução da velocidade da marcha na doença de Parkinson e recuperação funcional da hemiplegia após AVE (Fujiwara et al., 2017).

Em outras palavras, esse é um paradigma intelectual emergente para recuperação neurológica que inclui regeneração neural, reparo e reorganização dinâmica de sistemas neurais funcionais, bem como o aumento da consciência dos princípios comportamentais que podem modular o retorno e/ou compensação da funcionalidade. Ainda que timidamente, muitos profissionais já vêm ofertando aos sistemas de saúde e aos pacientes tratamentos baseados na aprendizagem dependente da experiência, estimulação neurofisiológica e uma combinação desses conceitos (Barrett et al., 2013).

As intervenções com a neuroreabilitação deflagraram-se a partir do ano 2000, em paralelo com uma mudança no paradigma dos cuidados neurológicos. Em meados do século XX, abandonamos a suposição de que o efeito de uma lesão cerebral, como um AVE; na função, atividade e participação – indicadores ancorados na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida como CIF, seria permanente e nos tornamos cada vez mais conscientes do potencial regenerativo do cérebro, bem como da reorganização dinâmica dele, após meses e até muitos anos depois de um evento traumático. Cientistas de neuroreabilitação vêm mostrando por meio de pesquisas translacionais sob quais condições ocorrem as mudanças e a recuperação ideal do cérebro. Nesses casos, aparentemente, exigindo estimulação intensiva e controlada de redes cerebrais prejudicadas (Barrett et al., 2013).

Um dos principais recursos usados nas demonstrações da plasticidade neural induzida pela neuroreabilitação são as aferições via neuroimagem. Esses estudos vêm revelando novos achados de reorganização cortical após lesão da medula espinhal, paralisia do nervo facial, perda auditiva e exercícios aeróbicos em adultos mais velhos. Logo, as técnicas neurofisiológicas e de neuroimagem avançadas estão fornecendo novos insights sobre a recuperação funcional em distúrbios neurológicos (Fujiwara et al., 2017).

Fontes: 

Barrett, A. M., Oh-Park, M., Chen, P., & Ifejika, N. L. (2013). Neurorehabilitation: Five new things. Neurology: Clinical Practice, 3(6), 484–492. https://doi.org/10.1212/01.CPJ.0000437088.98407.fa

Fujiwara, T., Paik, N.-J., & Platz, T. (2017). Neurorehabilitation: Neural Plasticity and Functional Recovery. Neural Plasticity, 2017, 1–1. https://doi.org/10.1155/2017/3764564

 

PROGRAMA DE REABILITAÇÃO VIRTUAL COM NINTENDO Wii, CONJUGADO COM FISIOTERAPIA CONVENCIONAL PARA INTERVIR NA FUNCIONALIDADE, NO EQUILIBRIO E NAS ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA EM SOBREVIVENTES DE ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO - AVE DE TIPO CRÔNICO

23 agosto, 2021

Este programa de fisioterapia convencional, conjugado com o console de Nintendo Wii demonstrou melhorar a funcionalidade, o equilíbrio e as atividades de vida diária dos pacientes que sofreram um AVE. O programa recorre a um método inovador, eficiente e acessível.

Recursos necessários:

  1.  Realidade virtual com Nintendo Wii (VRWiiG)

    • Treino de equilíbrio com Wii Balance Board

    • Exercícios de membros superiores com pacote Wii Sports

    • Somados a fisioterapia convencional

O estudo explica que os jogos de vídeo-game permitem que os fisioterapeutas projetem os programas de reabilitação para melhorar os princípios de plasticidade cerebral. E não só isso, o console dá respostas em tempo quanto ao desempenho e ao progresso, que permite modular a resposta motora, além de aumentar a motivação, o divertimento e a aderência dos pacientes ao tratamento. 

Os outros benefícios do Wii são que ele é fácil de usar; relativamente disponível; pode ser usado individualmente e, em casa. Esses atributos permitem aumentar a frequência de treinamento, tão importantes para alcançar a neuroplasticidade positiva das habilidades alvo do treino. 

Neste caso, quanto à neuroplasticidade, uma das ferramentas do Wii é o controle da distância, agregada a uma tabela de equilíbrio que detecta a transferência do peso. Esses dados são refletidos num avatar na tela, o que permite que o paciente observe seus próprios movimentos e gere uma ocorrência positiva. Ao mesmo tempo, o feedback do seu movimento tem tempo real conduz a um reforço dos mecanismos de aprendizagem motora. Assim, quando o paciente observa seus movimentos, as mudanças da plasticidade que dependem do uso das áreas sensoriais que pertencem ao sistema de neurônio espelhos são reforçadas. 

Dosagem de início de efeito clínico:

  1. Duração: 4 semanas

  2. Intensidade: 50 minutos

  3. Frequência: 2 vezes por semana

Avaliação da sequência T1 (início da intervenção) e T2 (final da intervenção):

  1. Cronometrado e pronto (TUG)

  2. Avaliação de Mobilidade Orientada ao Desempenho Tinetti (POMA)

  3. Escala de Equilíbrio de Berg (BBS)

  4. Avaliação Fugl-Meyer do Membro Superior, Índice de Barthel, Índice de Atividade de Frenchay (FAI)


Resultados: Foram promissores na funcionalidade, equilíbrio e atividades de vida diária ao adicionar a realidade virtual com Nintendo Wii à fisioterapia convencional em sobreviventes de AVE específicos, quando comparado ao grupo que recebeu apenas a fisioterapia convencional.


Fonte: 

Marques-Sule E, Arnal-Gómez A, Buitrago-Jiménez G, Suso-Martí L, Cuenca-Martínez F, Espí-López GV. Eficácia do Nintendo Wii e da fisioterapia na funcionalidade, equilíbrio e atividades diárias em pacientes com AVC crônico. J Am Med Dir Assoc. Maio de 2021;22(5):1073-1080. doi: 10.1016/j.jamda.2021.01.076. Epub 2021, 24 de fevereiro. PMID: 33639116.

 

A NEUROPSICOLOGIA DO ENVELHECIMENTO NA NEUROREABILITAÇÃO

23 agosto, 2021

Existem três categorias gerais de causas do declínio cognitivo associado ao envelhecimento:

  1.   desuso

  2. doença e

  3. envelhecimento em si .

Devido ao desejo, as pessoas tendem a usar prioritariamente certas habilidades em detrimento de outras com a idade e, portanto, essas habilidades que estão colocadas em " stand-by " diminuem.

Quanto às doenças, principalmente as físicas, tendem a aumentar o impacto com a idade, o que potencializa o comprometimento do funcionamento cognitivo.

E por último, devido ao envelhecimento normotípico, existem mudanças neurobiológicas reais com a idade que contribuem para a flexibilidade das habilidades cognitivas, conforme pode ser visualizado na figura acima, o auge do desempenho foi entre 18 e 21 anos e após esta faixa etária de desempenho começa a retroceder novamente. Esses dados foram retirados do teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), na etapa de gravação de palavras com o passar do tempo, em validação para a população brasileira.


A variabilidade de desempenho entre diferentes indivíduos dentro de uma faixa etária aumenta com a idade devido a cada um desses três fatores principais (desuso, doença e envelhecimento per se ) que afetam o declínio da idade. 

A melhor defesa contra as funções cognitivas relacionadas à idade é a prática. Neste caso, a prática deve ser vista como o que disseram os pais da neuroplasticidade: “o cérebro encolhe com o empobrecimento e cresce em um ambiente enriquecido em qualquer idade” (Diamond et al., 1971, 1984; Malkasian e Diamond, 1971) e para que ele tenha uma neuroplasticidade positiva, Diamond estabelece cinco aspectos essenciais que o nutre não decorrer na vida: a novidade, o desafio, o exercício físico, a dieta e o amor (Shaffer J. 2016). Portanto, a prática desses 5 aspectos tende a mitigar os efeitos do envelhecimento, não permitindo que ocorra o desuso. 

Além disso, a prática pode supercompensar os efeitos da idade ao construir uma “poupança” de reserva cognitiva maior para compensar quaisquer efeitos neurobiológicos reais da idade. A prática também pode levar a estratégias compensatórias nas quais são encontradas maneiras de manter os níveis de desempenho.

Logo, qualquer melhoria na função cognitiva agrega melhorias também na qualidade de vida e bem-estar, uma vez que a literatura sugere que as medidas de variáveis ​​não cognitivas, como humor, funcionalidade, qualidade de vida percebida, estão associadas aos efeitos de interações cognitivas .

Fontes: 

Shaffer J. (2016). Neuroplasticidade e prática clínica: construindo o poder do cérebro para a saúde. Fronteiras em psicologia, 7, 1118. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.01118

ZEC, RF A neuropsicologia do envelhecimento. Gerontologia Experimental, v. 30, n. 3–4, pág. 431–442, maio de 1995.

 

A neuropsicologia do envelhecimento na neuroreabilitação

20 agosto, 2021


A variabilidade de desempenho entre diferentes indivíduos dentro de uma faixa etária aumenta com a idade devido a cada um desses três principais fatores (desuso, doença e envelhicimento per se) que contribuem para o declínio da idade. 

A melhor defesa contra a deterioração cognitiva relacionada à idade é a prática. Neste caso, a prática dever ser vista como o que disseram os pais da neuroplasticidade: “o cérebro encolhe com o empobrecimento e cresce em um ambiente enriquecido em qualquer idade” (Diamond et al., 1971 , 1984 ; Malkasian e Diamond, 1971) e para que ele tenha uma neuroplasticidade positiva,  Diamond identificou cinco aspectos essenciais que o nutre no decorrer na vida: a novidade, o desafio, o exercício físico, a dieta e o amor (Shaffer J. 2016). Portanto, a prática desses 5 aspectos tende a mitigar os efeitos do envelhecimento, não permitindo que ocorra o desuso. 

Além disso, a prática pode supercompensar os efeitos da idade ao construir uma “poupança” de reserva cognitiva maior para compensar quaisquer efeitos neurobiológicos reais da idade. A prática também pode levar a estratégias compensatórias nas quais são encontradas maneiras alternativas de manter os níveis de desempenho.

Logo, qualquer melhoria na função cognitiva agrega melhorias também na qualidade de vida e bem-estar, uma vez que a literatura sugere que as medidas de variáveis não cognitivas, como humor, funcionalidade, qualidade de vida percebida, estão associadas aos efeitos de interações cognitivas.


Fontes: 

Shaffer J. (2016). Neuroplasticity and Clinical Practice: Building Brain Power for Health. Frontiers in psychology, 7, 1118. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.01118

ZEC, R. F. The neuropsychology of aging. Experimental Gerontology, v. 30, n. 3–4, p. 431–442, maio 1995.

 

A RECOMENDAÇÃO DO ESPORTE NA INTERVENÇÃO DE INDIVÍDUOS COM TDAH

24 maio, 2021

A base do manejo clínico convencional do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem sido as intervenções farmacológicas e comportamentais/psicológicas. Quanto aos exercícios físicos, incluindo o esporte estruturado, ainda é tímida a indicação na clínica como recurso complementar. Ainda que exista uma base sustentável quanto ao seu efeito clínico na modulação dos sintomas cognitivos/comportamentais e seja uma alternativa de tratamento para aqueles em que as orientações tradicionais indicam baixa resposta clínica e/ou efeitos adversos, no caso do tratamento medicamentoso (Christiansen et al ., 2019; Ng et al., 2017).

Claro, o campo de evidências quanto à recomendação do esporte em doenças psiquiátricas e neurológicas é novo. A psiquiatria do esporte, contendo o tópico de tratamento de transtornos mentais com exercícios, surgiu há pouco menos de 3 décadas, em 1994. Logo, desde então é que a terapia esportiva de transtornos mentais vem recebendo base científica. A prevenção psiquiátrica otimizada, o tratamento de atletas e o suporte ideal relacionado ao esporte para indivíduos com transtornos mentais devem ser o objetivo principal para o futuro próximo. (Ströhle, 2019).

Consequentemente, voltando ao cerne da questão, nas instalações de treinamento esportivo, o modelo de diferença tem maior probabilidade de ser eficaz para pacientes com TDAH porque eles têm a oportunidade de se adaptar e mudar seus comportamentos, em vez de serem culpados e punidos por seus sintomas de TDAH. Nesse contexto, o treinador tem estratégias que levam seu aluno a assumir o controle, gerenciar e se envolver com o ambiente para minimizar os sintomas de TDAH (Wolfe e Madden, 2016).

Em outras palavras, os treinadores esportivos são focados em cuidados de saúde importantes e essenciais para pacientes com TDAH. Esses profissionais atuam de forma orientada para o desempenho no esporte por meio da educação convencional. No entanto, para que um paciente com TDAH tenha um resultado bem sucedido em um ambiente de treinamento atlético movimentado, esses treinadores devem adaptar o ambiente de tratamento às necessidades desses pacientes. E, para tanto, eles podem se orientar nas “recomendações baseadas em evidências para treinadores esportivos que cuidam de pacientes com TDAH” de Wolfe e Madden (2016).

Consequentemente, o esporte individualizado é capaz de regular a parte motora, emocional e cognitiva de grupos clínicos com TDAH. Entretanto, sabemos que para isto ele não deve ser desenvolvido eventualmente, e sem estratégias por parte do treinador. Na rotina de treinamento no esporte, para este grupo clínico, a frequência, a intensidade e a duração são alvos da variável de acompanhamento a curto, médio e longo prazo.

Por fim, o esporte foi sugerido como uma terapia adjuvante segura e de baixo custo para o TDAH e é relatado como sendo acompanhado por efeitos positivos em vários aspectos das funções cognitivas na população infantil em geral (Christiansen et al., 2019). Por exemplo, o estudo de Hattabi et al. (2019) investigou os efeitos de um programa de natação recreativa nas funções cognitivas de crianças tunisianas com TDAH. Os resultados indicaram que houve melhoria significativa na precisão da memória, atenção seletiva e processo de restrição. No pós-programa, as crianças experimentaram uma redução geral dos tempos de execução da tarefa com menos erros de omissões. Eles também cometeram menos erros em situações de interferência, sinalizando um melhor funcionamento cognitivo.

Portanto, o esporte estruturado é recomendado para pacientes com TDAH. Com um pouco de tempo de adesão, é possível afetar os efeitos benéficos em diversas áreas da vida do paciente. Afinal, a intervenção é para melhorar o dia a dia das pessoas.

FONTES:


Christiansen, L., Beck, MM, Bilenberg, N., Wienecke, J., Astrup, A., Lundbye-Jensen, J., 2019. Efeitos do exercício no desempenho cognitivo em crianças e adolescentes com TDAH: mecanismos potenciais e evidências Recomendações baseadas em. J. Clin. Med. 8, 841. https://doi.org/10.3390/jcm8060841

Hattabi, S., Bouallegue, M., Ben Yahya, H., Bouden, A., 2019. Reabilitação de crianças com TDAH por meio de intervenção esportiva: uma experiência tunisina. Músicas. Med. 97, 874–881.

Ng, QX, Ho, CYX, Chan, HW, Yong, BZJ, Yeo, W.-S., 2017. Gerenciando o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) na infância e na adolescência com exercícios: uma revisão sistemática. Complemento. Lá. Med. 34, 123–128. https://doi.org/10.1016/j.ctim.2017.08.018

Ströhle, A., 2019. Psiquiatria esportiva: saúde mental e transtornos mentais em atletas e tratamento de transtornos mentais com exercícios. EUR. Arco. Clínica de Psiquiatria. Neurosci. 269, 485–498. https://doi.org/10.1007/s00406-018-0891-5

Wolfe, ES, Madden, KJ, 2016. Considerações e recomendações baseadas em evidências para treinadores esportivos que cuidam de pacientes com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. J. Athl. Trem. 51, 813–820. https://doi.org/10.4085/1062-6050-51.12.11

 

A DOSE TERAPÊUTICA NA MODULAÇÃO SENSORIAL EM INDIVÍDUOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA

22 março, 2021

Um programa de intervenção garantido para modulação de disfunções é composto por número de sessões, frequência, intensidade e limiar de resistência cognitiva. Este último, praticamente inexistente a sua exploração nos estudos da área. Entretanto, esses valores não devem ser definidos aleatoriamente, ou a esmo. É preciso ser pautado, no mínimo, em um estudo científico, que aferiu algum efeito clínico na manipulação dessas importantes variáveis.

Apresentamos 3 estudos que trazem a posologia das doses terapêuticas para a integração sensorial no grupo clínico de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista – TEA. Bem como, as discrepâncias nos resultados clínicos alcançados entre eles. Atentem para o terceiro estudo, o único que indicou tamanho de efeito clínico recomendado.

Lembrando que, a abordagem sensorial integrativa abrange o uso de estimativas que medem áreas específicas de desempenho sensorial e motor, sendo fundamental que a intervenção seja guiada por princípios específicos e documentos de resultados sensíveis e emocionantes. Logo, com o controle rígido das variáveis ​​dependentes e independentes no uso dos recursos de intervenções (Schaaf et al., 2014).

Estudo 1 (Iwanaga et al., 2014):

Dosagem: 37,2 sessões; intensidade: 1 hora; frequência: 1 vez por semana (num período de 8 a 10 meses = média 9,3)

Os resultados: ganhos positivos e estatisticamente alcançados para o grupo TEA em cinco das seis medidas de resultado; tamanho médio do efeito foi de 0,23; que está abaixo do corte de 0,25 recomendado pelas diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).

Estudo 2 (Pfeiffer et al., 2011):

Dosagem: 18 sessões; intensidade: 45 minutos; frequência: 3 vezes por semana (num período de 6 semanas).

Avaliação de linha de base e de saída: As dificuldades de integração sensorial foram confirmadas para todos os participantes por meio de uma avaliação completa antes do início da intervenção.

Resultados: melhorias estatisticamente significativas nas metas da Escala de Atingimento de Meta (GAS), bem como uma diminuição significativa nos maneirismos do autismo, conforme medido pela Escala de Responsabilidade Social (SRS). Tamanhos de efeitos positivos para as metas de GAS (tamanho do efeito = 0,360 para estimativas de professores e 0,125 para estimativas de pais), bem como para maneirismos de autismo no SRS (d = 0,131). No entanto, a média desses três tamanhos de efeito foi de 0,21, que está abaixo do corte de 0,25 recomendado pelas diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).

Estudo 3 (Schaaf et al., 2014):

Dosagem: 30 sessões; intensidade: 1hora; frequência: 3 vezes por semana (num período de 10 semanas).

Avaliação: ADIR e ADOS para confirmar o diagnóstico de TEA (testes padrão ouro). Todas as crianças receberam uma avaliação completa da integração sensorial, permitindo aos intervencionistas individualizar o tratamento.

Resultados: Melhorias estatisticamente significativas para o grupo TEA. Um tamanho de efeito muito grande (d de Cohen = 1,20) para resultados GAS, para assistência do cuidador no autocuidado por meio da Pediatric Evaluation of Disability Inventory /PEDI (d = 0,9) e escalas de atividades sociais (d = 0,7) foram relatados para o grupo TEA. O tamanho médio do efeito é 0,933; bem acima das diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).

Fontes:

Iwanaga, R., Honda, S., Nakane, H., Tanaka, K., Toeda, H., Tanaka, G., 2014. Estudo Piloto: Eficácia da Terapia de Integração Sensorial para Crianças Japonesas com Autismo de Alta Funcionalidade Transtorno do Espectro. Ocupar. Lá. Int. 21, 4–11. https://doi.org/10.1002/oti.1357
Pfeiffer, BA, Koenig, K., Kinnealey, M., Sheppard, M., Henderson, L., 2011. Eficácia das Intervenções de Integração Sensorial em Crianças com Transtornos do Espectro Autista : Um Estudo Piloto. Sou. J. Ocupar. Lá. 65, 76–85. https://doi.org/10.5014/ajot.2011.09205
Schaaf, RC, Burke, JP, Cohn, E., May-Benson, TA, Schoen, SA, Roley, SS, Lane, SJ, Parham, LD, Mailloux, Z., 2014. Estado de Medição em Terapia Ocupacional Usando Integração Sensorial. Sou. J. Ocupar. Lá. 68, e149. https://doi.org/10.5014/ajot.2014.012526
Schoen, SA, Lane, SJ, Mailloux, Z., May-Benson, T., Parham, LD, Smith Roley, S., Schaaf, RC, 2019. Uma revisão sistemática da intervenção de integração sensorial ayres para crianças com autismo. Autismo Res. 12, 6–19. https://doi.org/10.1002/aur.2046

 

Delineamento de uma tempestade: interfaces biológicas entre o estresse e o Acidente Vascular Encefálico – AVE do tipo hemorrágico

14 março, 2021

Um crescente corpo de evidências demonstra que o estresse psicossocial é um fator de risco importante e muitas vezes é subestimado para doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio e o AVE.

Abaixo, o mapeamento feito por Kronenberg et. al. (2017) quanto as principais interfaces biológicas entre o estresse e transtornos psiquiátricos relacionados ao AVE, com ênfase especial ao fato de que o estresse e os transtornos psiquiátricos podem ser causa e consequência de doenças cardiovasculares. Ele cita por exemplo:

1) os padrões comportamentais influenciando na etiopatogenia da doença arterial coronariana: impaciência; hostilidade de senso de urgência de tempo e ansiedade; estresse no trabalho, em casa e financeiro; bem como os principais eventos adversos ansiogênicos do ciclo da vida.

2) além desses estressores psicológicos, a depressão clínica é associada a um maior risco de AVE e infarto do miocárdio e exerce forte influência negativa sobre o resultado funcional e na recuperação desses dois eventos citados.  Delineando uma realidade clínica importante que, infelizmente, é frequentemente perdida pelos profissionais de saúde no atendimento ao paciente.

Logo, as sequelas psiquiátricas atreladas a repercussão fisiológica cardiovasculares, como a depressão pós-AVE ou transtorno de estresse pós-traumático são altamente prevalentes e podem, por sua vez, exercer efeitos de longo alcance na recuperação e evolução, qualidade de vida, eventos isquêmicos recorrentes, adesão a medicação e mortalidade e devem ser atendidas no rol de intervenções.

Fonte: Kronenberg, G., Schöner, J., Nolte, C., Heinz, A., Endres, M., Gertz, K., 2017. Charting the perfect storm: emerging biological interfaces between stress and stroke. Eur. Arch. Psychiatry Clin. Neurosci. 267, 487–494. doi:10.1007/s00406-017-0794-x